Na imagem: Jorge Zarpellon e James Marçal. |
Estas tecnologias, por sua vez, tornaram-se não só mais eficientes, como também mais acessíveis às diversas camadas sociais. Isso se torna evidente pela ampla adesão de diferentes públicos ao uso dos celulares e smartphones, bem como PCs, notebooks e similares, sem falar nos tablets.
Nesta realidade globalizada, uma das atividades que passou por diversas mudanças foi a Fotografia. Não somente o extraordinário poder de fotografar com apenas um toque na tela do celular, com apenas mais alguns toques, temos também a possibilidade de compartilhar a foto recém-tirada em rede, “online”, com amigos, conhecidos próximos e bilhões de anônimos localizados em todas as partes do planeta. Isso tudo feito em poucos segundos.
Ao mesmo tempo em que torna a atividade mais prática e permite para profissionais a criação de portfólios online e plataformas de contato instantâneo com apreciadores e possíveis clientes, este processo também provoca na rede uma “supersaturação” de fotografias feitas não só para registrar ou guardar um momento, e sim para divulgá-lo aos olhares de outros. Para refletir sobre o tema, o Jornal Iratiin buscou a opinião de dois fotógrafos.
James Marçal foi vencedor da categoria “Fotos Atuais” no concurso Irati em Imagens de 2015 e, no ano seguinte, foi convidado a participar da Comissão Julgadora do prêmio. Ele relembra que, há pouco mais de 10 anos, era raro quem tivesse uma câmera fotográfica. “Normalmente só uma pessoa na família tinha uma câmera portátil de filme, das bem simples, sem nenhum recurso, como as populares Instamatic, da Kodak. Somente quem trabalhava com fotografia é que tinha câmeras profissionais, pois elas eram caríssimas e difíceis de operar. As câmeras eram completamente manuais e não tinham margem para erro. Como só se via o resultado depois de revelar o filme, era grande o risco de perder as fotos e o registro do momento, fora o custo de revelação das fotos”, descreve Marçal.
Fotografia de James Marçal, premiada no concurso Irati em Imagens 2015 |
Neste cenário, a abordagem das pessoas ao que deveria ou não ser fotografado tendia a ser bastante conservadora, em comparação ao que acontece nos dias de hoje. “Normalmente, quem tinha uma câmera, colocava um rolo de filme de 24 ou 36 poses e isso podia durar meses na câmera, até acabar o filme e mandar revelar. Era comum a cada evento fazer uma ou duas fotos no máximo, só para ter um registro oficial. Era aquele momento que todo mundo parava para fazer a foto. Só havia uma chance e ninguém queria ficar feio na foto. No meio fotográfico, se fala que nas câmeras de filme, com um filme de 36 poses, umas 6 fotos ficavam boas. Hoje com as digitais, de quase 3600 fotos, igualmente umas 6 ficam boas”, brinca James.
Hoje as câmeras se popularizaram e muita gente pode ter uma câmera no seu celular, até mesmo as crianças. Mesmo as câmeras profissionais estão com preços bem mais acessíveis. Apesar de ainda ser difícil operar uma câmera profissional em modo manual, existem os modos automáticos, que permitem que qualquer pessoa tire as fotos e confira o resultado instantaneamente na tela LCD. “Apesar de o modo automático não ser garantia de boas fotos, a pessoa pode simplesmente fazer milhares de cliques, sem se preocupar com os custos de revelação. Então, por tentativa e erro, as fotos acabam ficando aceitáveis”, opina Marçal.
Mas, o que mudou mesmo o mundo da fotografia não foi somente o advento da fotografia digital em si, mas sim, esta invenção aliada ao fenômeno das redes sociais. A foto digital por si só não é o grande atrativo. O que impulsiona essa explosão de pessoas fotografando é a possibilidade de postar e compartilhar as imagens instantaneamente. “Entramos numa era em que a imagem é mais importante que tudo. Todo mundo quer mostrar que é feliz e bem sucedido, inundando as redes sociais com imagens de uma falsa felicidade: são fotos de festas, férias, passeios, refeições, bebidas, baladas, praia, piscina e tudo o que mostre que você tem uma vida feliz. Muitas vezes, o objetivo de tudo isso é alcançar o maior número possível de ‘curtidas’. É como se fosse uma nova droga da sociedade. Só é feliz quem tem muitas curtidas. E isso vira uma competição. E quem não consegue muitas curtidas, acaba ficando infeliz e, com o tempo, pode começar a apelar para fazer fotos que chamem a atenção”, alerta Marçal, ainda complementando: “fora os inúmeros modismos de internet, como os filtros e aplicativos que distorcem completamente as fotos, criando uma imagem absolutamente irreal”, fala.
De acordo com James, “o problema é que poucas dessas fotos vão ser úteis para contar a história no futuro. Com o tempo, essas imagens ficam cafonas e a pessoa pode sentir vergonha delas. Principalmente quem só faz fotos ‘zoadas’, fazendo biquinho, caretas, poses, caras e bocas, vai sentir muita falta de ter uma foto séria no futuro. Tenho visto isso acontecer. Claro que fotografia também é diversão e vale tudo, mas acho importante lembrar que, pelo menos de vez em quando, precisamos fazer fotos pensando em ter uma lembrança bonita para o futuro. Sempre que vou tirar fotos de alguém que gosta de sair fazendo careta ou biquinho, eu insisto para fazer pelo menos uma foto ‘normal’. Tempos depois, é normalmente essa foto que a pessoa vai utilizar na sua formatura, e colocar num quadro ou porta-retratos”, conta ele.
Com o grande volume de pessoas fotografando e postando cada passo de seu dia a dia nas redes sociais, a fotografia parece banalizada. Para Jorge Zarpellon - fotógrafo que foi Presidente da Comissão Julgadora do concurso “Irati em Imagens” em 2015, é formado pela Escola Portfolio, de Curitiba, e atualmente está desenvolvendo um projeto fotográfico ao redor do mundo – a rede social tem diversas limitações. “Eu acredito que no Facebook, que hoje em dia é a mídia mais acessada, há pouca coisa de útil. É uma mídia de informação que tem de tudo, mas ao mesmo tempo, não tem quase nada que se aproveite. O que existe são algumas páginas interessantes de fotografia, onde você pode apreciar uma boa imagem. Postagem é algo que “não vende”, se for pensar por esse ponto de vista. As pessoas curtem, falam o que acham e somente isso. Mas, quando é para comprar, poucas pessoas se interessam, porque não é tão comum, na cultura do brasileiro, ver a fotografia como arte - e deve demorar para que isso aconteça. Realmente não é a ferramenta mais adequada, na minha opinião”, avalia Zarpellon, citando que vê mais potencial na rede social Instagram, comprada pelo Facebook em 2012, por acreditar que o alcance do Insta seja maior.
Monge em Chiang Mai, na Tailândia, por Jorge Zarpellon |
Jorge também comenta a respeito da diferença entre poder fazer fotos, e ser fotógrafo, e versa sobre o que de fato acredita que seja a fotografia. “Hoje em dia é muito fácil fotografar, com toda a tecnologia disponível. Mas, a diferença é muito grande entre tirar uma foto e fazer uma foto, como diz o fotógrafo Sebastião Salgado. Eu acredito que a rede está cheia de imagens, mas a fotografia é tátil. Você precisa estudar, depois imprimir, pegar, sentir e admirar um momento único, uma fração de segundo registrada em um papel impresso. Então, o que vemos na mídia são imagens. Para ver e sentir uma fotografia, é preciso ir em galerias, exposições, coletivos fotográficos, feiras livres, ou sites que trabalham com venda de imagens impressas”, sugere ele.
USO POSITIVO DAS REDES
Mesmo reconhecendo e analisando os pontos negativos, os fotógrafos entrevistados fazem uso das redes sociais em sua atividade fotográfica, e pretendem continuar utilizando. “Na divulgação de trabalhos fotográficos, é interessante para um amigo indicar para o outro amigo, dependendo do tipo de imagem com que você trabalha. Eu tenho algumas ideias do que quero fazer com minhas fotos, mas o lance é que eu ainda estou na estrada. Por enquanto, eu só estou fotografando e não estou divulgando as melhores fotos. O que eu coloco na mídia, em geral, é só um aperitivo. Não quero queimar as fotos boas, pois tenho várias ideias para colocar em prática, e em muitas delas, pretendo usar fotos exclusivas”, revela Jorge Zarpellon, complementando: “quando eu voltar, uma das primeiras coisas que vou precisar é de um administrador de mídia social, para divulgação em larga escala. Preciso fazer um site, porque será através dele que eu vou começar a venda. Também penso em um blog, para as próximas viagens que eu já tenho programadas”, adianta. “Na verdade eu só vou juntar todo o quebra-cabeça quando eu voltar. Agora estou na etapa de colher material fotográfico. Depois, seria a separação do que pode ser vendido e/ou enviado para avaliação em galeria de arte. Eu estou trabalhando em etapas, e essa seria a primeira: sair em campo e obter material suficiente para começar o meu projeto”, conclui. O “aperitivo” ao qual Jorge Zarpellon se refere pode ser encontrado no Instagram, nas páginas @zarpellon19 e @backfie19.
Detalhe das ruas de Madrid, na Espanha, por Jorge Zarpellon |
Um dos projetos de James Marçal que ganhou alcance por meio das mídias sociais é a galeria “Curitiba Através das Lentes”, um ensaio lúdico feito em alusão aos 323 anos da capital paranaense, mostrando pontos turísticos da cidade utilizando uma lente como “moldura”. Ela pode ser encontrada no link a seguir: “Galeria – Curitiba Através das Lentes”, assim como outros trabalhos dele também podem ser vistos na página “James Marçal – Produções Fotográficas”, do Facebook.
Foto da galeria "Curitiba através das lentes", de James Marçal |
James afirma: “penso que fotografia boa não é aquela que ganha mais curtidas no momento, e sim a que vai durar para sempre. Conhecer a história da fotografia e da arte, além de conhecer também a obra dos grandes fotógrafos em diversas áreas, é um começo para quem quer ir além das curtidas. Além disso, um bom fotógrafo não é aquele que tem um bom equipamento, muito menos simplesmente o que sabe usar melhor o equipamento, como vejo falar por aí. Já ouvi gente debochando do outro, dizendo algo do tipo ‘tem um bom equipamento, mas nem sabe usar’. Fotógrafo não é meramente um operador de câmera. Para mim, vai muito além disso. Um bom fotógrafo é o que tem um olhar apurado, uma boa noção de estética e composição da imagem e, acima de tudo, o que sabe contar uma história ou passar uma mensagem com a fotografia. Aquele que consegue fazer uma crítica social com uma imagem, sem necessitar de uma legenda. Aquele que consegue passar um sentimento, uma emoção ou simplesmente fazer as pessoas pensarem um pouco. Aquele que consegue produzir uma imagem simples, linda e deslumbrante, capaz de encantar e inundar os olhos de quem vai contemplar aquela cena. Claro que o conhecimento técnico e um bom equipamento ajudam, mas nada substitui o talento, o olhar e a sensibilidade”, finaliza.