Cinco meses após a entrega das 310 casas
populares do Jardim da Américas, em Irati, o Hoje Centro Sul recebeu a denúncia
de que os beneficiados pelo programa Minha Casa Minha Vida estariam colocando à
venda as residências no conjunto habitacional. A equipe visitou o local e, em
conversa com os moradores, verificou que a prática está se tornando comum.
A moradora Maria* diz que não entende o
motivo das pessoas venderem as casas. “Tem tanta gente precisando, aí vem um e
vende por uma mixaria. Teve um morador aqui que vendeu a casa por R$3 mil”,
conta.
José* mora com a família no conjunto
habitacional e diz que já recebeu propostas para vender a casa que recebeu. “Da
minha casa eu não saio, porque eu nunca tive uma casa. Eu estou desempregado,
mas em nenhum momento pensei em vender o que eu conquistei, eu saio todo dia,
vou a pé até o centro da cidade e rodo por tudo pedindo emprego, mas minha casa
eu não vendo”, afirma o morador.
Maria ressalta que todos tem
dificuldades, são famílias carentes, mas não há justificativa para vender. “O
pessoal vende porque não consegue sustentar a família. Aqui virou uma bagunça.
No tempo das reuniões foram feitas tantas exigências, mas agora parece que tudo
foi pelos ares”.
Joana* mora no Jardim das Américas e diz
que pensa em vender a residência por conta da segurança no local. “Eu não
consegui me adaptar e aqui está ficando cada vez mais perigoso, por isso estou
pensando em vender, mas não sou só eu. Uma mulher aqui perto foi trabalhar em
Curitiba e deixou a casa para outra pessoa”, conta.
O Setor de Habitação e a Secretaria de
Assistência Social da Prefeitura Municipal de Irati acompanham as famílias
beneficiadas desde antes da entrega das casas. Segundo a secretária de
Assistência Social, Karen Seidel, denúncias de casas que são vendidas no Jardim
das Américas chegam quase diariamente. “Nós recebemos essas denúncias e
encaminhamos ao órgão responsável pela fiscalização que é o Setor de
Habitação da agência da Caixa Econômica Federal em Ponta Grossa”, explica.
Segundo a secretária, muitas famílias que não
foram beneficiadas vão reclamar sobre a venda das casas. “Nós sabemos as
dificuldades dessas famílias, sabemos o quanto elas queriam estar nessas
residências, então para nós é bem complicado também”, diz.
Karen comenta que o trabalho da Prefeitura
esteve voltado a seleção, cadastro e acompanhamento das famílias. “Não está ao
nosso alcance fiscalizar quem vende ou não as casas, mas nós fizemos todo um
trabalho de acompanhamento. Foram realizadas várias reuniões conosco e com o
pessoal da Caixa para explicar às famílias o que era ou não permitido, então
eles estão cientes de que vender, alugar ou trocar as casas é uma prática
ilegal”, relata.
Sobre os motivos que levam a venda, Karen
comenta que algumas famílias não se habituaram, não gostaram do local. “É um
bairro que recebeu muitas pessoas de diferentes localidades, no começo essa
adaptação é difícil. Caso a pessoa não consiga se adaptar, ela deve entregar a
casa e a mesma será repassada à próxima família na fila do cadastro”, comenta a
secretária.
Arquivo/Hoje Centro Sul |
A equipe da assistência social continua
orientando os moradores para não vender, alugar ou trocar as residências. A
equipe também procura desenvolver cursos e atividades para capacitar os
moradores e garantir que eles não vendam as casas e procurem outras
alternativas de sustento através dos cursos de Aproveitamento de Alimentos,
Produção Artesanal, Jardinagem, Aperfeiçoamento de Serviços Domésticos e
Serviços de Garçom.
Fiscalização
Segundo o Setor de Habitação da agência da
Caixa Econômica Federal de Ponta Grossa, órgão responsável pela fiscalização de
irregularidades, quando há denúncia de descumprimento das regras, a Caixa
notifica os moradores para que comprovem a ocupação regular do imóvel. Caso fique
comprovada a venda do imóvel para terceiros, a Caixa protocola notícia-crime na
Polícia Federal e adota medidas judiciais cabíveis, no sentido de buscar a
rescisão do contrato e a reintegração de posse do imóvel.
A Caixa esclarece que recebeu denúncia de
ocupação irregular/venda em 12 unidades habitacionais. Foram emitidas as
notificações e está no prazo para que o beneficiário comprove ou não a
regularidade da ocupação. Caso não seja comprovada a regularidade, o banco
tomará as providências para a reintegração de posse dos imóveis.
Em nota, o banco afirma que “a comercialização
do imóvel do programa, sem a respectiva quitação, é nula e não tem valor legal.
Quem vende fica obrigado a restituir integralmente os subsídios recebidos e não
participará de mais nenhum programa social com recursos federais. Já quem
adquire irregularmente perderá o imóvel. Esta condição é informada ao
beneficiário por ocasião da assinatura do contrato”.
Relembre
Construídas através do Programa Minha Casa
Minha Vida, as 310 casas do Jardim das Américas foram entregues aos mutuários
no dia 27 de fevereiro.
Na cerimônia de entrega, estiveram presentes
diversas autoridades e centenas de moradores que conseguiram realizar o sonho
de possuir a casa própria.
Foram R$19 milhões em investimentos e dois anos
para a conclusão do trabalho de construção das casas.
Desde então, o conjunto que só contava com as
moradias já está bastante modificado. Muros foram erguidos e alguns já estão
até concluindo a construção de novos cômodos. O cenário já transformado agora
abriga um novo dilema: a venda das casas, prática ilegal que está se tornando
frequente no Jardim das Américas.
* Os moradores preferiram ter suas identidades
preservadas
Texto e fotos: Ana Paula Schreider / Jornal Hoje
Centro Sul
(edição impressa 802 de 14/08/2015)