Família: uma visão panorâmica

A revolução russa, a partir de 1917, dividiu em termos opostos o mundo ocidental: capitalismo e socialismo (1900-1950).
Esse foi um século que começou com cerca de 1 bilhão e 700 milhões de seres humanos habitando o planeta. Apesar das inúmeras mortandades, chagávamos a 3,6 bilhões de pessoas em 1970 e ingressamos no século XXI com 6 bilhões de seres humanos vivendo na Terra. A expectativa de vida aumentou significativamente ao longo do século em praticamente todos os países do mundo. No Brasil a expectativa de vida era de 45 anos em 1950; em 1960 era de 55 anos; em 1970 era de 65 anos e em 1980 era de quase 75 anos e em 2000 essa estatística aumentou para 85 anos.
Foram geradas na sociedade então, duas novas idades: A adolescência (período difuso entre a infância e a adultez) e a terceira idade (período que vai da aposentadoria até a morte).
Foi na Roma Antiga que a família organizou-se enquanto instituição. O próprio termo família, originado do vocábulo latino "famulus", revela a ideologia patriarcal e androcêntrica implícita em sua origem: famulus quer dizer escravo doméstico, e família, o conjunto de escravos pertencentes a um mesmo homem.
Contudo, o termo "família" não se aplicava às famílias de homens livres na Roma Antiga, somente aos escravos. Com o tempo, o termo família passou a significar um grupo social, hoje conhecida como a família nuclear, ou tradicional, que durante boa parte do século XX pai, mãe e filhos estavam instalados em uma relação afetivamente próxima e muito estreita.
Essa família nuclear ou tradicional, tendo o pai como figura central, foi experimentando modificações: o grande patriarca foi perdendo este status. Mãe e filho deslocaram-se de seus lugares mais periféricos para ocupar um novo espaço.
As mães, ou melhor, as mulheres em geral, reivindicando o direito a uma nova subjetividade e os filhos, reivindicando e conquistando o direito de escolher com quem estabelecer suas relações conjugais.
O século XX apresentou no que se referem à vida familiar algumas tendências como: o aumento da expectativa de vida, a diminuição do índice de natalidade, a maior participação das mulheres no mercado de trabalho e um aumento nos índices de divórcios e separações.
A família burguesa encontrou-se em crise em virtude desses acontecimentos, e um deles foi o divórcio. Cada vez mais os divórcios iam aumentando e as mulheres preferindo uma vida social mais intensa à vida de doméstica. Além das mulheres incluírem-se na vida social, elas frequentavam universidades e se incorporavam no campo de trabalho.
A guerra de 1917 lançou um grande contingente de homens europeus nas frentes de batalha, de onde muitos não retornaram. A necessidade de sobrevivência empurrou esposas, mães, irmãs e filhas para o mundo masculino de trabalho. Dessa maneira, promoveu um movimento de ampliação do horizonte das mulheres, tanto na direção do mercado de trabalho quanto na configuração dos novos perfis familiares.
No pólo capitalista, a ideologia do "bem estar social" estimulou o surgimento de várias concepções terapêuticas relativas ao casamento. Alguns especialistas como médicos, psicólogos, sociólogos, etc. deram origem a uma concepção "científica" da vida conjugal. Assim foi que, entre 1920 e 1930, lançaram no mercado manuais que indicavam práticas para a obtenção da felicidade conjugal.
Tais estudos reforçaram a idéia de que os casamentos eram felizes graças a uma afinidade de temperamentos, gostos e interesses. Abandonando a idéia de que o casamento deveria estar livre de conflitos e tensões.
As primeiras leis sobre casamento, divórcio e filhos depois da revolução russa, foi em dezembro de 1917. Cerca de um ano depois, em 1918, surgia o código da família. Por esse código, o matrimônio religioso deixava de ter valor jurídico. A lei só reconhecia o casamento civil, por meio de um simples registro em um setor administrativo, com o intuito de que o casamento não fosse uma prisão onde os cônjuges permanecessem contrariados. A única obrigação dos cônjuges era de prover alimentos para os filhos, mesmo quando houvesse ruptura do casal. O divórcio era permitido se houvesse um consentimento mútuo.
Um novo código da família foi elaborado em 1926. Nesse, o casamento de fato e o casamento registrado tinham mesmo valor. O registro servia apenas como prova da existência da união. O código de 1926 não mencionou a palavra divórcio e se desinteressou tanto pela forma quanto pelos motivos que produzissem a ruptura da união.
A partir da década de 30, aumentou significativamente o número de separações, de abortos e de pais que se recusavam a pagar pensão alimentar para seus filhos.
Na década de 60 surgiu o anticoncepcional, separando a sexualidade já desvinculada do casamento, agora também da procriação. O direito ao prazer passou a ser uma importante reivindicação da população feminina, onde o prazer não estava mais no amor nem no desejo, porém na sensação.
Considera-se, que por outra via, a tecnologia contraceptiva expandia-se em modalidades e eficiência, deixando a vida sexual cada vez mais livre das necessidades da reprodução. Porém, isso fez com que aumentasse o número de parceiros sexuais de homens e mulheres. Estes chegavam ao casamento já com experiência sexual e não havia mais aprendizado sexual nos primeiros tempos do casamento.
Na década de 70, aumentava bastante a coabitação dos casais fora do casamento, sobretudo na população urbana.
Nos anos 80 em diante, houve uma diminuição do número de casamentos formais e aumentaram os casais não casados com filhos. O casamento deixava de ser único e para sempre e adquiria um perfil bem mais contingente.
A separação entre os casais, a partir dessa década, tornava-se uma regra. Houve maior número de filhos que conviveram com pais separados, que depois passaram a construir novas uniões e dentro delas novos personagens significativos iam surgindo como: o namorado da mãe, a madrasta, a namorada mais nova do pai, etc.
No século XXI, o casamento passou a ser um patrimônio comum com a expectativa de uma devolução, se possível com juros. "Um relacionamento... é um investimento", investir sentimentos e fazer planos com o parceiro(a) significaria tornar-se independente dele(a). Assim, o relacionamento, do qual se esperava que fosse capaz de atenuar a insegurança da solidão, volta a encontrar a solidão no seu horizonte.
Registra-se que a família tradicional esteja prestes a desaparecer, com a tendência a diminuir substancialmente o poder patriarcal. Alguns sinais dessa decomposição é o divórcio, sobretudo a família monoparental, ou seja, pais separados, mães solteiras e lares desfeitos.



Monique Shelley Bernardo é teóloga e pós-graduada em Saúde Mental e Prevenção a Dependência Química. Trabalha com rede feminina e família e História das Sociedades. Atualmente faz parte da equipe de Mobilização Social da Praça dos Esportes e da Cultura em Irati através do MinC/Caixa. É também aluna do curso de Gestão em Equipamento Público pela Fundação Getúlio Vargas - FGV


 

Publicado na edição 657, 06 de fevereiro de 2013