Câmaras Municipais na História

Câmara Municipal, o primeiro poder de fato e direito criado ainda no Brasil Colônia. Apenas em 1532 Portugal deu atenção ao Brasil com a expedição de Martim Affonso de Souza e seu irmão Pero Lopes. A mulher de Martim tornou-se a primeira pecuarista colonial em São Vicente, a raça Caracu da Ilha da Madeira abriu essa jornada. Em 1549, esgotado o processo das capitanias hereditárias, D. João III nomeou o primeiro governador geral, Tomé de Souza. Com ele veio nosso primeiro grande estadista, o Padre Manoel da Nóbrega; e Vicente Rijo, primeiro mestre-escola do Brasil. O segundo governador Duarte da Costa (1553-1558) e depois Mem de Sá (1558-1572), tio de Estácio de Sá, fundador do Rio de Janeiro com orientação de Nóbrega. Nada deliberes sem ouvir o Padre Manuel, ouviste, disse o tio ao sobrinho. A sede da Colônia era em Salvador, depois no Rio. As vilas e cidades nascentes exigiam governo. A solução veio com a criação das Câmaras Municipais, membros escolhidos pelos homens bons, os grandes proprietários de terras. Os trabalhadores, os degredados, os judeus, os estrangeiros, os índios e os escravos não participavam das decisões. Só agora, desde 2003, muitos deserdados estão sendo incluídos efetivamente. O povo pobre obedecia e trabalhava. O rei era a lei. (Pilleti). Não esqueça, ouvinte de casa ou leitor do site, vivia-se numa sociedade de senhores e escravos, resquícios reais ainda presentes na atual conjuntura da nação. Naquele tempo, depois de 1640, Portugal havia empobrecido com o domínio da Espanha (1580-1640), a recuperação econômica do reino era urgente e o Conselho Ultramarino, no anseio de maiores riquezas, criou a figura dos Juízes de Fora, o que significou menor autonomia às Câmaras Municipais.
No fim de 1807, a invasão de Portugal pelo exército napoleônico, general Junot no comando, D. João VI veio para o Brasil com a sua parasitária côrte, abertura que criou condições para a independência. O retorno do Rei a Portugal em 1821 e ano seguinte, no dia do Fico em 9 de janeiro e depois em 7 de setembro, a emancipação. Em 1823 o imperador convocou a Assembléia Constituinte. Entre os diversos jornais editados no Rio, alguns não tinham respeito a D. Pedro. A primeira questão analisada pelos deputados foi sobre a promulgação da constituição, com ou sem sanção imperial. Porém, na Fala do Trono, o imperador havia dito que a constituição seria aceita se fosse digna do Brasil e dele. O Rio se agitou e a Assembléia foi dissolvida. Imperador liberal absolutista, no ano de 1824 outorgou a constituição segundo sua vontade, sem dúvida, primeira Medida Provisória da história. Como referendar essa lei? Você disse através das Câmaras Municipais? Acertou no centro do alvo. As Câmaras deveriam apresentar sugestões, mas aprovar sem alterar nada, como acontece hoje com a Lei de Meios, que os vereadores votam de olho fechado e mãos postas. Na Província de São Paulo eram três as comarcas, São Paulo, Itu e Curitiba. O Ato Adicional em 1834 reformou a Constituição, criou as Assembléias Legislativas nas Províncias e, nas Câmaras, o cargo de Intendente. Etc. (Tarquínio Souza, Hist. do Império).


Claro, claro. Só em 1891, a primeira constituição da República definiu a figura do Prefeito. E o legislativo começou a ficar como ficou, apenas com atribuições de oferecer base legal à gestão pública ou se há complexo de inferioridade, a negligência coletiva da omissão diante da gestão e, não raro, indigestão municipal. As Câmaras são, pois, coloniais, imperiais e republicanas. O Prefeito apenas republicano. No papel, o poder das Câmaras é legislativo, fiscalizador, deliberativo e julgador, porém a realidade é outra. A função fiscalizadora, em especial, tem sido letra morta mesmo em Câmaras respeitáveis. Na Câmara deveria acontecer o discurso do município, espaço de resistência em defesa do bem comum, como disse Milton Santos sobre a função de todo parlamentar em suas esferas de atuação.
Não seria justo, porém, dizer que as Câmaras Municipais não tenham estrutura de poder real. Entretanto, o desconhecimento das próprias funções de parcela de seus membros, a ausência de visão política, a ausência de projetos oportunos, o desprezo à história, descaracteriza o processo. Ainda que mal pergunte, uma Câmara Municipal com alguma parcela de integrantes eleitos através do voto comprado representa o quê e quem? E aquele que vende seu voto é cidadão, charlatão ou pamonha? Seria aquele que concorre para a existência, ainda, de uma sociedade de senhores e escravos usurpadores e contraventores? que, investindo no voto, não devem nada, sequer respeito, a ninguém! Qualquer semelhança entre a ficção e a realidade não é mera coincidência.


 


José Maria Orreda


Publicado na edição 656, 30 de janeiro de 2013.