As medidas provisórias, da maneira com que vêm sendo utilizadas pelo Executivo, deixaram de atender suas finalidades constitucionais, de facilitar a administração de recursos públicos em situação de calamidade ou emergência.
Na prática, deixaram de atender as necessidades do serviço público e da população, em situações adversas, para se tornarem ameaça real à independência e harmonia entre os poderes da República e à própria democracia representativa.
Isso porque nada menos do que 80% das matérias em tramitação no Congresso Nacional são medidas provisórias, na sua maioria do interesse restrito, político e imediatista do Executivo.
Com essa distorção, o Executivo acaba legislando mais que o próprio Legislativo e concentrando atribuições, responsabilidades e representatividade dos dois poderes. Como ensina a sabedoria popular, duas ou mais cabeças sempre pensam melhor do que uma e somente o Legislativo, com sua formação ampla, proporcional e democrática, tem a representatividade legítima de todos os pensamentos e segmentos da comunidade nacional.
O abuso na edição de medidas provisórias se deve ao desvirtuamento do que deveria realmente ser de urgência e temporário, ao ponto de não poder ser deixado para o dia seguinte.
Com isso, o que deveria ser medida excepcional passou a ser decisão rotineira, o que nem sempre vem ao encontro ou atende aos anseios e posições da maioria da população, que deveriam ser levados em consideração em toda e qualquer ação governamental.
Além de usurpar funções do legislador, as medidas provisórias, até pelo seu excesso, ainda trancam a pauta das votações e dificultam o trabalho do Congresso Nacional, incluindo o debate, reflexão e repercussão das grandes questões do País.
Isso significa que, nós parlamentares, enquanto não apreciamos as medidas provisórias em tramitação, também não podemos deliberar sobre os projetos de autoria de legisladores. Como todo dia vem uma medida provisória nova, o trabalho do Congresso está sempre engessado.
No final do ano passado, por exemplo, foram editadas diversas medidas provisórias para substituir o que o Congresso foi impedido de votar, como a destinação de créditos suplementares, graças às manobras do Executivo.
O Brasil hoje tem grandes superávits orçamentários e o governo federal concentra muito dinheiro, enquanto os municípios enfrentam enormes dificuldades para manter seus serviços básicos e fechar suas contas, devido à essas distorções.
Isso porque o governo promove a desoneração ou concede isenção em tributos como o IPI, que está entre os que formam o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e são divididos com Estados e Prefeituras, mas não faz isso com as contribuições sociais que afetam a sua própria arrecadação.
Assim, tem recursos disponíveis e pode fazer créditos suplementares quando e como desejar. Na votação da medida provisória que estabeleceu a da redução da tarifa de energia, por exemplo, queríamos incluir também a redução do PIS/Cofins na conta de luz, corrigindo uma grave distorção, mas não conseguimos.
Assim, a tributação na conta de eletricidade no Brasil prossegue absurda e chega a 45% do valor final pago pelos consumidores. Além disso, o cálculo da tributação é duplamente abusivo, pois sempre leva em conta o valor total, o que faz incidir imposto sobre imposto. Para reduzir a conta de luz, portanto, bastaria corrigir esses abusos.
Dilceu Sperafico
Publicado na edição 655, 23 de janeiro de 2013.