Em 80% do ano é assim: nove horas da manhã a temperatura passeando pelos 28, 29 graus e subindo; a pressão atmosférica extremamente baixa, geralmente sem vento significativo – na parte da manhã -, sugerem uma situação que pode ser expressa da várias maneiras: manete(s) de potência no esbarro; “full throttle” ou 100% de potência (se tiver mais alguma disponível, use) e, à favor, só a altitude da pista de 559 metros acima do nível do mar. Falo de um aeroporto – mas é regra geral pra todos da região centro-oeste do Brasil. E vai comer pista! E mais pista quanto maior for o número de passageiros e a carga embarcada, o combustível nos tanques, essas amenidades. Depois de sair do chão te restringem a três mil pés, mais ou menos mil metros, dentro do que é chamado de Corredor Visual, pra te livrar de dar de cara com alguém chegando. Isso em condições visuais. Às vezes é diferente, ta chovendo, e muito. Pressão e temperatura permanecem quase sempre do mesmo jeito, mas a umidade relativa é muito alta o que impede a evaporação rápida, e você sai do pátio de manobras pra “taxiway” e pra pista principal quase por instrumentos, o que vai se configurar logo na altura dos primeiros vinte, trinta metros. Depois é esperar. Na chegada ao destino vai se configurar o que já se sabia antes da decolagem. Visibilidade reduzida, vento, frio e o meu sofrimento e confesso, sou um péssimo passageiro. Gostaria de estar lá na frente e não pela segurança do povo em geral e nem que soubesse – não sei mesmo – fazer melhor do que aquele povo a quem está entregue o nosso avião, mas uma coisa haveria a meu favor: saberia o que está acontecendo. Essas observações cada vez mais me dizem uma coisa: isso não é voar, e isso vale pra passageiros e tripulantes. Pros primeiros pode ser uma viagem de férias, á trabalho ou por qualquer outro motivo; pros segundos é trabalho, sem quase ter tempo de olhar pra fora e, geralmente, mesmo que houvesse tempo pouca coisa poderia ser vista de cima dos 10, 11, 12 mil metros em que se voa. E pra piorar, o aviador vai sendo substituído gradualmente por um gerenciador de sistemas. Desaparece o romantismo glamuroso das aventuras dos painéis analógicos pelas telas de cristal liquido, outros tempos. Voar, pra mim, continua sendo como era antes: devagarinho, baixinho, com tempo pra olhar pra fora, brigando com qualquer ventinho cruzado e se atendo ao básico em matéria de se chegar a algum lugar. Nada de vôos em níveis superiores. Bom mesmo é pelos mil até dois mil e quinhentos metros de altitude/altura. Nada de voar por instrumentos - claro que “às vezes” ajuda, mas não é regra geral. É conhecer estradas, cidades, referências é saber, no olhômetro, por e pra onde se vai. Isso é voar, o resto ou é viagem de férias ou negócios; e pro pessoal lá da frente, trabalho.
Marco Leite
Publicado na edição 549, em 15 de dezembro de 2010
Marco Leite
Publicado na edição 549, em 15 de dezembro de 2010