NÃO DÁ NADA

 

Vocês estão presos aqui. Só poderão sair com a minha autorização.  Mas isso não será por muito tempo. Amanhã ou depois, vocês estarão livres. Mas vocês poderão não gostar do mundo que encontrarão lá fora. (A corrente do bem)

 

Prezados alunos, desde que iniciamos nosso trabalho, desejei partilhar com vocês minha experiência com a leitura e a escrita. Pois bem sei a importância dessas duas atividades para o desenvolvimento intelectual e humano. Os livros, felizmente, sempre fizeram parte de minha vida: os que li e os que escrevi.

Para isso me vali da exibição de alguns filmes. Entre eles, Escritores da liberdade, em que mostra uma experiência bem-sucedida com a literatura. Esse longa conduz alunos e professores a refletirem sobre sua própria condição, a saber, assumir a responsabilidade pela situação em que se encontram. O papel de vítima não pode servir de pretexto para acomodação.

Se temos, nesse filme, por um lado, uma professora ousada, motivada, determinada, apaixonada pela profissão, por outro, existe uma turma de alunos igualmente disposta a mudar sua visão de mundo, reconhecendo o equívoco dos motivos de sua contestação.

De minha parte, não vou me apressar a julgar vocês, quanto ao que usufruíram de nossas aulas. O tempo fará por si. O que me entristece, contudo, é que vivemos em um sistema que não está muito aí com a gente. A sala de aula virou uma espécie de arena, onde alunos e professores se digladiam, enquanto outros comemoram estatísticas para “inglês ver”.

Tomemos cuidado, entretanto, porque essa liberdade que é oferecida – sobretudo aos alunos – é traiçoeira. Ela deixa correr e, depois, atira nas costas. Aqui me lembro do professor do filme A corrente do bem. Ele chega à sala de aula e, após apresentar sua disciplina a uma turma de 7ª. Série, diz: “Vocês estão presos aqui. Só poderão sair com a minha autorização. Mas isso não será por muito tempo. Amanhã ou depois, vocês estarão livres”. Então os alunos comemoram. E ele complementa. “Mas vocês poderão não gostar do mundo que encontrarão lá fora”.

Talvez ele esteja querendo dizer que lá fora não há Conselho de Classe. Lá fora a realidade é tão cruel tanto para professores quanto para alunos. Lá fora não dá para dizer que não dá nada. A menos que o sujeito tenha muito dinheiro ou faça parte de esquemas medonhos para livrá-lo de embaraços em que possa se envolver.

Por isso, na sala de aula, como diz a professora do filme Escritores da liberdade, deve haver luta, sim. Mas no campo do conhecimento, da ética e do respeito mútuo. E os alunos têm que saber que serão responsáveis por suas próprias irresponsabilidades.

João Maria da Silva, mestre em Estudos literários pela Universidade Federal do Paraná. É professor e escritor, com vários livros publicados.

Publicado na edição 551, em 29 de dezembro de 2010