Começo o retorno inglório da ocupação deste espaço protestando contra as coisas que no certinho são sem graça e no erradinho também são sem graça. O chouriço do título por exemplo deveria ser churiço. Do jeito que se falava quando se era criança. Ou do jeito que ainda se fala quando não se é mais criança mas se está despreocupado com a forma correta da pronúncia. Olhe esse mas antes do não! Outro exemplo claro de que a formalidade da linguagem descaracteriza a naturalidade do causo. Tinha que ser mais. Sem a menor preocupação de que seria interpretado como um termo que sugere adição. O mais falado contrapondo-se ao mas escrito é uma coisa de louco. Remete à professora que arrastava o esse do mas. Sempre que ela dizia massssssss assim com a língua acariciando o detrás dos dentes era como se quisesse compensar a insuficiência do conhecimento pelo disfarce sonoro da atenção. Olhe a estrutura frasal desse texto. Olhe esse computador louco (louco também deveria ser simplesmente loco) sublinhando a palavra frasal. Olhe essas frases todas sem vírgula. Olhe a chuva que cai. Olhe o interior de si. Enxerga-se? Que intenção há na provocação linguística quando o domínio vocabular não passa de uma trama inacabada da vida que passa jogando baralho com o destino? E o destino continuado sem vírgulas. Que precipício é esse sem tecnologias? Que trabalho inútil estabelecer atitude entendendo-a a ponte entre intenção e gesto. Que atitude inútil estabelecer o gesto entendendo-o a ponte entre intenção e trabalho. Que intenção ridícula estabelecer trabalho entendendo-o a ponte entre atitude e altitude. Que ponte é essa que inutiliza o gesto a intenção e o trabalho? Espetei a consciência com o alfinete da dor e ela não despertou. Imaginei-a um monte disforme de gordura avolumando-se em si mesma e afogando os resquícios de lucidez que me faziam teimar em permanecer no quarto escuro do castigo. Clara ela mostrou-se deslumbrante. Claro arrebatei. Os passos da formiga proporcionais aos da barata. Os passos da barata proporcionais aos do rato. Os passos do rato proporcionais aos do chacal. Um granizo isolado caiu sobre a formiga. Uma botina distraída esmagou a barata. O rato fugia para o esgoto mas foi surpreendido pela cascata de piche. Um ovo da galinha dos ovos de ouro ao chacal. Dois ovos da galinha de ovos de ouro aos chacais. Três ovos das galinhas dos ovos de ouro. Os chacais. Uma notícia boa e uma bala pedida. Pedida! Uma notícia má e uma bala perdida. Uma bala na mala. Uma mala pedida e uma bala perdida. Uma morte anunciada e uma bala perdida. Uma morte pedida. Uma vida perdida. Uma razão encontrada e uma solução guardada. O sol queimando as asas da borboleta. A lua iluminando as asas da mariposa. As asas da mariposa debatendo-se na rua. A mariposa nua espatifada no vidro do farol alto. A raposa atravessando a rua sem saída saída do quase nada por detrás do portão enferrujado e quebrado semiabrindo-se sempre. Um veneno autodestrutivo escorrendo do canto torto da boca torta da bironha vesga sonorizando-se no descaminho das asas dissonantes. Um canto dois contos um desencanto. As frases soltas e curtas despertando a atenção e distraindo a intenção como se na palavra pensada se revelasse o plano lúdico de fazer apenas o que se não pode sem vírgulas e o que não se pode com elas. A felicidade escandalosa fetichando as vontades alheias sem sabendo-se assim mas pausando na contemplação lúcida dos tesouros iluminados pelos sorrisos constelados. Um estalo. Um ímpeto. A vida com as suas resistências seguindo tranquila com as suas reticências. A sensação passada do ridículo com as suas certezas ridículas evaporando-se. Pitangueiras visitadas. Pitangueiras revisitadas. Fim começado. Começo terminado. Saudade matada.
Robson Miguel Camargo
Publicado na edição 549, em 15 de dezembro de 2010
Robson Miguel Camargo
Publicado na edição 549, em 15 de dezembro de 2010