Trilhos do progresso: A história e o desenvolvimento da região
alavancado pelo sistema ferroviário
No início da segunda metade do
século XIX, a paisagem nativa da região (pinheiros Araucária Angustifólia e
erva-mate) era a fonte de riquezas e divisas, sendo a erva mate a principal
atividade econômica do estado do Paraná neste período e durante mais de um século.
A exportação de erva mate e
madeira exigiam melhores condições de locomoção em substituição ao tropeirismo,
e por este motivo a necessidade de implantação de estradas de ferro na região
era fato evidente.
Nesse período chegavam os
primeiros imigrantes à Irati e região. A formação étnica da região foi
predominada por holandeses, poloneses, ucranianos, alemães, italianos, e outros
imigrantes de procedência européia que colonizaram o país a partir do século
XIX.
O motivo principal para a escolha
dos imigrantes por Irati foi a garantia de trabalho com a construção da estrada
de ferro. Além deste, as condições
climáticas semelhantes aos países de origem, as matas que possibilitavam a
indústria extrativista, e a facilidade em adquirir terras férteis também
influenciaram a vinda dos imigrantes para Irati.
Até 1860, o território de Irati
era um sertão desconhecido ocupado por caboclos e bugres. Havia matas de araucárias, imbuias e campos
de erva mate, com apenas algumas poucas fazendas de criação de gado e porcos.
O que concretizou a transformação
histórica da localidade e alavancou o desenvolvimento de Irati foi a chegada da
ferrovia São Paulo/Rio Grande, e a inauguração da estrada de ferro e da Estação
Ferroviária Iraty, em dezembro de 1899, pois com a ferrovia, vieram
naturalmente as oportunidades criadas pelo comércio.
A Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande
foi planejada pelo governo de Dom Pedro II pelo Decreto Imperial nº 10.432 de
09 de novembro de 1889, incumbindo inicialmente o engenheiro João Teixeira
Soares pela construção, que foi concluída em 1910. Os municípios atendidos pela
ferrovia foram selecionados em função da relevância que apresentavam com
relação à produção de erva mate e madeira.
Estação Ferroviária de Governador Ribas |
Desenvolvimento – A Ferrovia em Irati
A ferrovia em Irati – a exemplo
de toda a região – apresenta três momentos distintos. O primeiro (1899 a 1940) seria a ascensão
econômica da região, quando a ferrovia desempenhou papel fundamental na
economia durante o auge da produção de erva-mate e madeira; o segundo (1940 a
1960) é o declínio econômico do município ocasionado pelo fim das exportações
de erva-mate e madeira; e o terceiro (a partir da década de 60), quando a
ferrovia passa a transportar menor número de
passageiros, e o transporte de cargas por via férrea já não tem mais
representatividade econômica como no passado.
A estação ferroviária em Irati
prestou serviços de transporte de passageiros até o final da década de 70,
quando foi concluída a BR 277 que liga Curitiba a Foz do Iguaçu. Hoje, a
estação opera como entreposto da
rede de transporte paranaense para
manobra de trens,
apoio aos ferroviários e transporte de cargas.
Início, meio e novos rumos
Em 1888, antes da inauguração
da estação e da estrada de ferro em
Irati, todo o território do atual
município pertencia à Imbituva, e
o atual centro urbano de Irati
era um pequeno povoado chamado Covalzinho. Nessa época, Francisco de
Paula Pires e Emílio Batista Gomes
adquiriram do governo
terras nas adjacências
de Covalzinho (cerca de três
quilômetros deste) e fundaram um povoado chamado Vila de São João, hoje bairro
do município de
Irati, também conhecido
como Irati Velho.
A estrada de ferro desviou a Vila
de São João, fazendo com que a cidade passasse a se desenvolver em torno da
ferrovia, e foi então que a localidade de Covalzinho passou definitivamente a
ser chamada de Irati. O responsável técnico pelas obras da ferrovia foi o
engenheiro João Visinoni, que escolheu o nome para a estação: Estação
Ferroviária Iraty.
Antes da inauguração da ferrovia
existiam poucas moradias na região feitas
de pau-a-pique, cobertas
com folhas de palmeira e chão batido. Essas moradias
tinham um só cômodo, e no centro sempre havia uma fogueira de nó de pinho onde
se reunia a família e amigos durante o dia todo para conversar e tomar
chimarrão. O fogão era de pedra, a mesa era uma tábua, e os bancos eram tocos
de árvores.
Os moradores dormiam em redes ou
camas feitas de capim ou esteiras estendidas no chão próximo ao fogo.
Cobriam-se com cobertores chamados “seca-poço” ou com as capas de montaria, e o
travesseiro muitas vezes era uma sela do cavalo. No verão tomavam banho no rio, e no inverno
em gamelas de madeira.
Os colonos
imigrantes e seus descendentes disseminaram-se em todas as
áreas do município e tornaram-se a grande força e motivação da economia de
Irati. A notícia da
construção da estrada
de ferro e
da Estação Ferroviária
Iraty espalhou-se por toda
a região, trazendo
novos moradores à
Covalzinho, atraídos também pelas
terras férteis, abundância de pinheiros e campos de erva mate.
A Estação foi inaugurada em
dezembro de 1899, e nessa época ainda era uma pequena construção
de madeira que serviu
de alojamento para
os construtores da ferrovia. Mesmo assim, a ferrovia transformou Irati em
um entreposto comercial, facilitando o comércio, o transporte e as
comunicações.
Moradores de outros lugares – como
Assunguy, Itaiacoca, Entre-Rios, Barreiros, Faxinalzinho, etc. – iam
até Irati para vender e embarcar seus produtos, e muitos destes passaram a se
tornar também habitantes da localidade.
Com o aumento do número de
famílias, Irati começa a crescer ao redor da ferrovia, e em função dela,
tornou-se em um centro de convergência de toda a região. O meio urbano prosperou com
o comércio, e a ferrovia
serviu de estímulo
ao desenvolvimento rural.
Abriram-se lojas, padarias, botequins, marcenarias, carpintarias, ferrarias e
bodegas à margem e no correr dos trilhos.
Porém, as terras que compreendem
Irati (na época ainda Covalzinho) pertenciam ao município de Imbituva, portanto
o pagamento de impostos, encaminhamento de atos judiciais e eleitorais,
regularização de papéis, casamentos, e outros, só poderiam ser realizados em
Imbituva.
A necessidade de viajar até
Imbituva (o que levava um dia em caminhos árduos), não contribuía para o
progresso local, já que os interesses da população estavam fora de
alcance. Sendo assim, em 02 de abril de
1907, um movimento pela autonomia, com o apoio do vice presidente do estado,
Dr. João Candido Ferreira, criou o Município de Irati, cuja Lei nº 716 foi instalada em 15 de julho de 1907.
Em 1914,
o comércio de
madeira desenvolveu-se mais,
e as serrarias multiplicaram-se ao
longo da ferrovia.
Até a década
de 40, a produção de
erva-mate ainda continuou sendo a principal atividade econômica da
região, mas a partir da década de 50, a madeira ultrapassou a erva-mate em
arrecadação, absorvendo parte da mão de obra excedente do mate, atividade que
já estava entrando em crise.
Com o maior desenvolvimento da
cidade, houve a necessidade de construção de um novo prédio
para a estação
para oferecer maior
conforto e qualidade
para os usuários. A construção do
novo aconteceu em 1935, época em que a cidade já era considerada um pólo
mercantil da região.
Os serviços prestados nesta
estação não eram apenas o embarque e desembarque de passageiros, mas os
usuários também podiam enviar cartas, pegar encomendas de produtos vindos da
capital, fazer compras e ainda utilizar os serviços do restaurante da estação, que
servia de ponto de encontro para a sociedade iratiense. A estação representava
um elemento de status para a cidade e para a sociedade, sendo um lugar de
destaque para encontros de caráter cultural e político.
Estação Ferroviária de Engenheiro Gutierrez |
Dados sobre a movimentação de
cargas transportadas durante a década de 1930 demonstram que em 1934, Irati dominava
o mercado de transporte de madeira com grande vantagem perante outros municípios
da região, transportando 26.165.981 kg no ano, seguido por Fernandes Pinheiro,
com 23.769.134 kg.
Com relação ao transporte de erva
mate (1.663.888 kg no ano), e outras mercadorias (9.350.305 kg), a movimentação
na Estação Ferroviária de Irati só foi ultrapassada por Ponta Grossa (com
6.269.628 kg de erva mate, e 16.005.633 kg de outras mercadorias no ano).
Depois desse período áureo, em
1942, a atividade econômica no município entrou em decadência em função de uma
série de acontecimentos: fim das exportações de erva-mate e madeira; a má
qualidade das sementes de batatas, que estavam afetadas por bactérias;
substituição do transporte ferroviário pelo rodoviário que culminou na falta de
vagões para transporte de mercadorias, que acabavam perecendo; deslocamento da
fronteira agrícola do Sul para o Norte do Paraná; baixos valores pagos aos
produtos agrícolas, e grandes despesas com as plantações; e ainda outros que
afetaram o comércio e a agricultura no município.
A energia existente na época era insuficiente
e não oferecia possibilidades para maiores iniciativas, o que demonstra o
despreparo da população da época para enfrentar novas necessidades da economia.
Essa estagnação sócio-econômica
do município foi reconhecida em 1972, pela Secretaria de Agricultura do Paraná,
que declarou que a região (composta por Irati, Prudentópolis, Imbituva,
Teixeira Soares, Rebouças, Rio Azul e Mallet) corria o risco de ficar
marginalizada pelo progresso caso não estimulasse o seu desenvolvimento.
Apesar da ferrovia em Irati
manter-se ativa, hoje não representa mais o mesmo papel do passado, como
principal fator de geração econômica por meio da circulação de mercadorias em
função da diminuição do uso do transporte ferroviário no âmbito local e
nacional.
As ferrovias passaram a ter um
papel secundário e complementar ao transporte rodoviário na metade final do
século XX. Com a construção das rodovias, a partir da década de 50, o
transporte ferroviário diminuiu consideravelmente.
Também houve a decadência do
transporte ferroviário de passageiros, pois a oferta das viagens ferroviárias
não satisfazia mais aos usuários, que passaram então a realizar viagens rodoviárias
em função do baixo custo.
A estação ferroviária em Irati
prestou serviços de transporte de passageiros até o final da década de 70,
quando foi concluída a BR 277 que liga Curitiba a Foz do Iguaçu. Atualmente, a mesma
opera como entreposto da rede de transporte paranaense para manobra de trens,
apoio aos ferroviários (sanitários, cozinha
e alojamento) e transporte de cargas.
Especial - Estações Ferroviárias da Região Centro Sul do Paraná
Além da estação principal na sede
do município de Irati, existiram outras sete onde circularam
muitos passageiros nas
décadas de 40
a 70. São elas:
Estação Ferroviária de Engenheiro Gutierrez
Engenheiro Gutierrez é um bairro
do município de Irati, e a estação
de Gutierrez foi inaugurada em 1918.
Em 1938, um prédio maior foi construído para abrigar a estação, que
ligava Guarapuava a Santa Catarina na chamada “Linha do Contestado”. Após passar muitos anos abandonada, a estação
de Gutierrez foi demolida em 2002.
Estação de Florestal
Inaugurada em 1926. Atualmente
existe apenas a plataforma de concreto ao lado dos trilhos, não sendo possível
precisar a data de demolição da estação.
Estação Ferroviária de Governador Ribas
Inaugurada em 1940, atendeu ao
transporte de passageiros
até a década
de 80, na
estrada de ferro
que ligava Irati a
Guarapuava. A estação
não existe mais,
e somente cargueiros trafegam
pela linha.
Estação Ferroviária Monjolo
Inaugurada em 1940 e desativada
na década de 80, também faz parte do ramal que liga Irati a Guarapuava.
Atualmente, a estação Monjolo não mais existe.
Estação de Arroio Grande
Localidade do interior do município, teve a
estação construída em 1940 e demolida em 2002.
O ramal ligava Ponta Grossa a Guarapuava.
Estação Ferroviária Água Clara
Também inaugurada
em 1940, ligava
Ponta Grossa a Guarapuava.
A construção desta
estação aconteceu no ano de
1935. As edificações da estação hoje não estão mais em uso.
Estação Ferroviária Cerro
do Leão
Inaugurada em
1943, localizava-se entre as
localidades de Inácio
Martins e Guamirim.
A estação foi demolida
e a ferrovia
neste trecho foi
considerada a principal limitadora da região em função dos
grandes aclives e de frequentes deslizamentos de terra ocasionados pelas
chuvas, sendo desativada na década de 80.
Estação de Teixeira Soares
A estação de Teixeira Soares, o
grande nome da ferrovia no Estado do Paraná, foi inaugurada em 1900. A região em
volta da estação chamava-se na época Boa Vista, mas a estação já foi aberta com
o nome do já famoso engenheiro, que, não por acaso, era diretor e acionista da
Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, Drº Teixeira Soares. A construção da
estrada de ferro na localidade trouxe muitos empregados e forasteiros.
O setor ervateiro ganhou impulso
em 1908. Com transporte facilitado, pela passagem da ferrovia, logo a
exploração madeireira teve início. No início do século XX, um pinheiro de vinte
polegadas valia muito. O embarque da madeira era feito em qualquer ponto da
linha férrea. Em volta da estação foi se criando um arraial, que, em 14 de
julho de 1917, tornou-se o município de Teixeira Soares, vivendo de serrarias e
hervais.
Devido ao término do transporte
de passageiros na década de 80, a estação foi desativada e por muito foi usada
como depósito, comércio entre outros, o que a deixaram descaracterizada. Mas,
devidoas intervenções dos atuais governos, a estação volta a ter destaque,
sendo que hoje ela abriga a casa do artesão durante todo o ano e no mês de
dezembro se transforma na Estação do Papai Noel.
Estação de Rio Azul
Para grande parte da população
rio‐azulense, a instalação da estrada de ferro São Paulo‐Rio Grande, em 1902,
foi o que faltava para Rio Azul crescer e se desenvolver, principalmente, com a
chegada de imigrantes de países da Europa e da Ásia. Ucranianos, poloneses,
italianos e libaneses chegaram a Rio Azul, com a esperança de um futuro melhor,
sobretudo pela oportunidade de emprego e desenvolvimento da agricultura, pois o
local possuía terras férteis ainda inexploradas. A estrada de ferro parou de
funcionar no final da década de 1980.
Antigas usuárias da ferrovia relatam suas experiências:
Adelaide
Ruteski
Adelaide Ruteski |
Julia
Bartorski Petrowski
Julia Bartorski Petrowski |
Texto: Ana Paula Shereider/Hoje Centro Sul