Relacionamento homossexual ainda é tabu para muitas pessoas

Apesar do relacionamento homossexual ser comum nos dias de hoje, o preconceito ainda existe e muitas pessoas ainda não conseguem aceitar um casal do mesmo sexo demonstrando afeto em público. Em alguns casos, o preconceito extrapola o limite do não gostar e se transforma em humilhações e agressões verbais e físicas.

O Jornal Hoje Centro Sul conversou com duas pessoas homossexuais que moram em Irati. Eles contaram como é a convivência social e falam sobre o preconceito que observam na região. O assistente social Rafael Bozzo Ferrareze é homossexual e morou dois anos em Irati. Natural de São Paulo, ele veio para o município para cursar o mestrado. Ele explica que o seu processo de descoberta e aceitação como homossexual foi tardio. “Acredito que demorei para me descobrir enquanto gay. Eu tinha 18 anos de idade, sabia que não sentia atração por mulheres e sim por homens, porém, não entendia que precisava me aceitar primeiramente. Eu comecei a me aceitar, de fato, quando olhei uma revista masculina e percebi que gostava de homens. Apesar disso, só comecei a me assumir socialmente a partir dos 22 anos”, diz. Laura* também é homossexual.

Assim como Rafael, ela se mudou para Irati para dar continuidade aos estudos. Laura conta que a descoberta da homossexualidade foi um processo natural. Porém, apesar dos amigos saberem da sua orientação sexual, ela ainda não assumiu a homossexualidade para a família. “A aceitação da homossexualidade, para mim, não foi difícil. Eu tinha 18 anos e estava acostumada a ter vários amigos e amigas que se relacionavam com pessoas do mesmo sexo. Já era algo bastante comum para mim, portanto, não foi algo que precisei enfrentar sozinha. Entretanto, a aceitação da família é difícil, ainda não contei aos meus pais, pois já observei o posicionamento contrário deles em relação à homossexualidade e, principalmente, sobre a possibilidade de sua filha ser lésbica. orém, minha forma de lidar com isso se dá tentando desconstruir aos poucos uma imagem muitas vezes vulgarizada que minha família tem de gays e lésbicas, afirma. O psicólogo de orientação psicanalítica, Gabriel Kruger, explica que, em alguns casos, o processo de aceitação da homossexualidade pode ser difícil e traumático. Ele destaca que, nesse caso, se a pessoa estiver passando por algum tipo de sofrimento, procure orientação profissional.

 “Temos que compreender a realidade local e familiar, bem como a transmissão dos saberes dentro da família, para então podermos entender quais os mecanismos de funcionamento que o sujeito irá construir para dar vazão a sua sexualidade. Os enfrentamentos de não aceitação, de exclusão, podem ser perversos o suficiente para o indivíduo poder deixar seus desejos de lado, porém, vale ressaltar que a força do sujeito sempre é maior do que ele mesmo pode identificar. Com isso, orientamos que, se o sujeito encontrar sofrimento mental muito grande no seu reconhecimento, busque um psicólogo de modo a trabalhar não a aceitação, mas sim a fim de identificar os mecanismos que estão autuando e trazendo o encargo sobre sua descoberta”, ressalta.

 Preconceito 

O preconceito pode ser caracterizado como uma discriminação à situação que se está observando. Muitas vezes, ele aparece como um incômodo ou não-aceitação. Porém, quando ultrapassa esses limites, pode chegar ao nível da agressão verbal e física. O assistente social Rafael conta que nunca sofreu preconceito no município de Irati e, quando observava algum tipo de discriminação, procurava conversar sobre o assunto. “Posso dizer que foi um prazer residir nesta cidade. As pessoas são hospitaleiras, educadas e simpáticas. Não sofri nenhum tipo de preconceito  por parte das pessoas que tive contato em Irati. Na verdade, eu nunca sofri preconceito por ser homossexual em nenhuma cidade. Bem, pelo menos abertamente nunca sofri.

Algumas vezes, sofri preconceito velado, mas não foi nada que um bom diálogo não resolvesse. Acredito que violência gera violência e é só através de uma boa conversa que as pessoas passam a mudar seus pensamentos e visões sobre dado assunto”, ressalta. Apesar disso, ele destaca que já passou por uma situação constrangedora quando ainda estava na pré-escola. “A história de preconceito que me marcou durante muito tempo não foi recente não. Eu tinha 5 ou 6 anos de idade, estava na pré-escola. Eu era muito afeminado e brincalhão, então, as crianças da minha sala começaram a me chamar de ‘bicha’. Isso me marcou muito, pois não sabia o que era uma ‘bicha’ ou o que era ser ‘bicha’. Isso nem passava pela minha cabeça e, acredito, que nem pela delas. Elas estavam reproduzindo o que ouviram em suas casas, acredito eu. Isso me marcou durante muito tempo, porém, hoje não sinto mais nada quando lembro do episódio. Mas é uma situação que enquanto tiver memória levarei comigo”. Já Laura conta que sofreu preconceito em Irati, quando passeava com uma ex-namorada na rua. “Um homem saiu com o filho de um restaurante e disse para ele olhar para trás e ver o que "são lésbicas".

Em seguida, passou com o filho dentro do carro buzinando. É uma situação que não parece grave em questão de me ofender, mas me fez pensar, principalmente, no que aquele homem estava ensinando a seu filho que ver um casal de mulheres juntas lhe dá o direito de invadir a privacidade delas, de provocá-las e constrangê-las”, destaca. Ela ainda ressalta que, muitas vezes, o preconceito não é explícito. “Sempre vai haver quem é contra e demonstra isso. Normalmente, as pessoas não falam, mas algumas olham de forma estranha quando percebem que duas meninas se tratam como um casal”. O psicólogo de orientação psicanalítica, Gabriel Kruger, explica que o preconceito, muitas vezes, fundamentase na não-aceitação da pluralidade.

 “Muitas vezes, o preconceito vem como forma de repúdio, como se, de alguma forma, estivesse afetando os observadores. Essas demonstrações, muitas vezes se fundamentam em um ódio indiscriminado ao diferente, ao que foge aos parâmetros sociais. As pessoas que emitem esse tipo de ódio têm certas dificuldades de aceitação da pluralidade do mundo, a qual sempre esteve aos olhos e não é uma questão que, atualmente, se tem mais ou menos casais homoafetivos. Vale ressaltar que, atualmente, o preconceito e a discriminação se encaixam como crime”, completa.

 Interior x capital

 O conservadorismo é um dos maiores problemas para a aceitação de casais homossexuais. Segundo o assistente social Rafael Bozzo Ferrareze, se engana quem pensa que o conservadorismo é exclusividade de cidades de menor porte. “Acredito que preconceito se encontra em qualquer lugar.

Claro que, em determinadas cidades do interior, o conservadorismo se faz presente em maior escala. Porém, as capitais não fogem a regra de ter preconceito. O preconceito está no coração e onde bater um coração haverá, de alguma forma, preconceito, seja de cor, raça, sexo, entre outros”, completa. Para Laura, há diferenças na aceitação de um casal homossexual em cidades grandes e cidades menores. Porém, ela também destaca que o conservadorismo, em alguns casos, se encontra nos jovens. “O preconceito aparece em todos os lugares, há uma diferença entre cidades grandes e pequenas por questão de conservadorismo sim. Mas o que me chama atenção é que, normalmente, quando pensamos em conservadores, pensamos em pessoas mais velhas e que não estão acostumadas com tal realidade. Porém, como estudante universitária, vejo que esse conservadorismo em relação à sexualidade permanece nos jovens também. Está dentro da Universidade, está no fato da invisibilidade, de não se falar sobre isso, de ainda haver um tabu imenso em se falar sobre sexualidade e preconceito, mesmo em um ambiente frequentado principalmente por jovens”, diz. O psicólogo Gabriel destaca que, em casos onde a sociedade exerce um maior controle social, o medo da exclusão pode acarretar um maior preconceito.

“Alguns autores iriam dizer que o tamanho da cidade pode não afetar, mas sim o tamanho das pessoas, das coragens e, acima de tudo, a forma como encaram a realidade. Vejo também que o tamanho da cidade pode afetar quando o controle social se torna mais efetivo. Controle esse baseado através das normas sociais locais, as que, de alguma forma, pontuam o que se pode ou não pode fazer/ ser. As normas servem como uma orientação, porém não se pode garantir que todas as pessoas que as seguem serão felizes da mesma forma. Dito isso, temos que ressaltar que sempre existiu e existirá a diferença, cegos seríamos de não considerar as diferenciações subjetivas, a forma como as pessoas se reconstroem e vivem a vida.

Com isso, somos animais sociais, os quais aprendem e necessitam viver socialmente, e ao se deparar com o medo de não ser aceito ao ser diferente, podem recuar e deixar a manifestação da sexualidade latente”, ressalta.

Desconstrução do preconceito 

O assistente social Rafael explica que para a desconstrução do preconceito e entendimento sobre a homossexualidade, a melhor maneira é o diálogo. Porém, em alguns casos, buscar os direitos se faz necessário. “Se a pessoa preconceituosa não souber o que está falando ou fazendo, por falta de informação ou instrução, eu converso e tento mostrar que existem outras formas de pensar e ver determinada situação.

Agora, se vejo que a pessoa possui certo nível de conhecimento, então ajo de outra forma, sou um tanto quanto agressivo em minhas palavras, e, dependendo do caso, posso partir até para as vias judiciais. Porém, graças a Deus, a segunda opção nunca foi necessária”, completa. Para Laura, a forma de desmistificar o preconceito e levar informação sobre a homossexualidade para outras pessoas aconteceu através da participação em grupos de militância. “Acho que minha forma de lidar com o preconceito se dá, principalmente, em questão de militância, de tentar desconstruir de alguma forma o olhar conservador de que a homossexualidade não é natural, de que casal e família devem ser formados por homem e mulher, entre outras questões que permeiam a não-aceitação da homossexualidade. É importante ressaltar que, em Irati, recentemente, se formou um coletivo que milita a favor dos direitos LGBT, que é o Espaço Iratiense da Diversidade LGBT, que é vinculado ao movimento estudantil e está pensando algumas ações que podem ser realizadas na universidade e na cidade, a fim de dar visibilidade ao movimento e consiga juntar mais pessoas, mais forças para que haja essa luta aqui em Irati também”.

O psicólogo de orientação psicanalítica, Gabriel Kruger, destaca que a pluralidade é grande e há espaço para todas as pessoas. “Temos pessoas para todas as posições no mundo, temos pessoas que se sentem bem no hospital, outras que não, temos pessoas que se sentem bem em explorar o operário na fábrica, outros preferem trabalhar em organizações cuidando dos animais. Por que um teria que ser menos do que o outro, por que um é aceitável e o outro não? Sempre há espaço para o amor, seja ele da forma que for, finaliza.

Kyene Becker/Hoje Centro Sul