Especialistas apontam os possíveis motivos para os alagamentos em Irati e dão alternativas para solucionar o problema

Desde a enchente que assolou o Paraná em junho de 2014, moradores da região Centro Sul do Estado convivem com o medo. Após a catástrofe, alagamentos se tornaram frequentes no município de Irati e têm causado dúvidas e revoltas. A equipe do Jornal Hoje Centro Sul conversou com especialistas, que explicaram quais são os possíveis motivos para os alagamentos e a diferença entre a enchente de 2014 e a atual situação registrada no município.

Enchente x alagamentos

A enchente que atingiu o Paraná, nos dias 07 e 08 de junho de 2014, afetou quase 600 mil pessoas em todo o Estado. Segundo dados da Defesa Civil, na época, os estragos chegaram a quase R$1 bilhão.
Porém, o professor da área de recursos hídricos e saneamento do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), Daniel Bartiko, explica que a catástrofe de junho não deve ser confundida com os alagamentos e inundações registradas nas últimas semanas em Irati. “São duas situações diferentes. Em junho, por exemplo, a altura de precipitação foi muito elevada, choveu quase 200mm em um único dia. Ou seja, era uma situação impossível de se evitar. Poderia ter sido amenizada, mas era muito difícil de não acontecer. O solo funciona como uma esponja, ele absorve a água da chuva, mas tem uma capacidade máxima de absorção. Quando ele atinge esse ápice, a água que chega ao solo escoa, não sendo mais absorvida por ele. Naquela ocasião, todos os rios transbordaram, foi algo generalizado”, ressalta.

Ainda segundo ele, os últimos alagamentos e inundações registrados no município não têm como principal explicação grandes incidências de chuvas. “Se observar os dados registrados pela Estação do Instituto Nacional de Meteorologia localizada em nosso município, vai ver que os alagamentos e inundações não são decorrentes de elevadas alturas de precipitação [muita chuva em curto período de tempo]. Nos dias que aconteceram os sinistros, em dezembro e nas últimas semanas, a chuva não passou de 40mm. Então, não foi algo atípico, como aconteceu em junho. Esses alagamentos e inundações atuais possuem outra explicação”, destaca. Daniel ressalta que algumas mudanças no uso e ocupação do solo da bacia hidrográfica do Arroio dos Pereiras, aliada a falta ou ineficiência de sistemas de microdrenagem, podem estar causando essa situação.


Galerias

As galerias pluviais, sistema de dutos subterrâneos responsáveis pela captação e escoamento das águas da chuva, também podem estar contribuindo para os alagamentos observados em Irati nos últimos meses.

O professor Daniel Bartiko explica que a falta de manutenção e até a inexistência de galerias estão agravando o problema dos alagamentos. “É importante mostrar para as pessoas que cada ponto de alagamento pode ter uma explicação diferente. Na rua da Liberdade e em algumas ruas na Vila São João, por exemplo, acredito que o problema está mais concentrado nas galerias pluviais. Em alguns pontos da Vila São João e em outras regiões da cidade não existem galerias ou são insuficientes (por exemplo, na Rua Trajano Gracia), como a água da chuva irá escoar desse jeito? Outro motivo é a falta de manutenção. As galerias foram construídas há muito tempo e, provavelmente, já não estão mais suportando a quantidade de água, porque estão subdimensionadas ou devido ao acúmulo de materiais no seu interior. É preciso estar previsto no planejamento da prefeitura a desobstrução desses locais”, diz. Ainda segundo Daniel, a situação das galerias não envolve apenas a água da chuva, mas também os sedimentos que são arrastados por elas. “A presença de sedimentos, em quantidade compatível com a força e velocidade da água, é um processo natural. A água da chuva arrasta galhos de árvores e terra que encontra no caminho. Esses materiais se acumulam nas galerias. Por isso, é importante realizar a manutenção, pois a presença desses sedimentos dentro das galerias diminui a capacidade de escoamento da água da chuva”.

O professor da área de recursos hídricos e saneamento também destaca que, por esse motivo, a população deve ficar atenta ao descarte correto do lixo. “Em muitos lugares se observa o descarte irregular do lixo, nas proximidades dos rios e nas ruas. Ou seja, a tendência é que a água da chuva leve esses materiais para dentro das galerias e as entupa. Então, alguns moradores também têm culpa nessa situação das galerias. As pessoas precisam fazer o descarte correto do lixo”, completa.
Segundo o secretário de Arquitetura, Engenharia e Urbanismo de Irati, Sandro Luiz Podgurski, algumas tubulações da empresa responsável pela distribuição de água e saneamento de Irati estão interferindo diretamente nas galerias. “Algumas tubulações estão passando por dentro das galerias. Quando tem pouca água, a situação não atrapalha. O problema é que com a sujeira dentro das galerias, a capacidade de escoamento fica reduzida e é mais fácil a água chegar até a altura dessas tubulações. Agora, pense se um galho ficar preso nessa tubulação no meio de uma chuva. Vai entupir e a água não vai mais escoar”, afirma.

Sandro também explica que existem galerias ao longo dos canais do Arroio dos Pereiras que cortam o centro da cidade, onde os canais passam por debaixo de construções, como é o caso da rua Dr. Munhoz da Rocha. Segundo o secretário, essas galerias são antigas e precisam ser refeitas. “Essas construções têm cerca de 70 anos. Em alguns lugares, como na rua Dr. Munhoz da Rocha, no ponto próximo à Praça da Bandeira, as galerias são muito pequenas e não suportam mais a vazão da água. E não adianta mais só limpar. Logo teremos que fechar a rua, abri-la e refazer a galeria que está embaixo dela”, afirma. Ainda segundo ele, em alguns pontos da cidade, as galerias estão causando o enforcamento do Arroio, isto é, afunilando o canal e diminuindo a capacidade de vazão da água.

Arroio dos Pereiras

A bacia hidrográfica do Arroio dos Pereiras está localizada no município de Irati e abrange uma área de 354 hectares – o que equivale a cerca de 330 campos de futebol –, possuindo 27 canais em toda a cidade.

O secretário de Arquitetura, Engenharia e Urbanismo de Irati, Sandro Luiz Podgurski, explica que o Arroio dos Pereiras é uma das explicações para os alagamentos no centro da cidade e não deve ser confundido com o Rio das Antas.
“Desde que os alagamentos começaram, muitas pessoas estão falando besteira, dizendo que a causa é o Rio das Antas. Elas precisam entender que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Nessa situação dos alagamentos, o culpado é o Arroio dos Pereiras. Não existe isso do Rio das Antas estar enchendo o Arroio e, por isso, os alagamentos estão acontecendo. O problema está no Arroio dos Pereiras. Se fosse com o Rio das Antas, os bairros próximos a ele, como a Vila Nova e Canisianas, também iriam alagar”, afirma.

O professor da área de recursos hídricos e saneamento do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), Daniel Bartiko, ressalta que a bacia hidrográfica do Arroio dos Pereiras tem alta declividade, isto é, ela não é plana, reta. Esse fato faz com que a água que cai nas regiões mais altas da bacia chegue rapidamente até a parte mais baixa, que é o centro de Irati. “A rapidez com que a água escoa até o centro da cidade e também a quantidade que chega vem aumentando com a impermeabilização do solo. Fato que se agravou com o tempo devido à intensa construção de residências e empreendimentos na bacia, os quais contribuem para os alagamentos e inundações no centro da cidade”, completa o professor.

Crescimento desordenado

O crescimento desordenado é uma situação que atinge muitas cidades brasileiras. Além do impacto visual, a falta de planejamento do crescimento também pode causar sérios problemas para o município.

O professor da área de recursos hídricos e saneamento do Departamento de Engenharia Ambiental da Unicentro, Daniel Bartiko, explica que a intensa urbanização em torno do Arroio dos Pereiras causou a impermeabilização de muitas áreas, o que pode ser classificado como um grande responsável pelos alagamentos. “O solo funciona como esponja, absorvendo a água da chuva. Quando se tem áreas verdes, a vegetação consegue amortecer a chegada da água da chuva até o solo e boa parte da mesma acaba se infiltrando. Dessa forma, a água escoa de forma mais lenta. Quando se impermeabiliza uma área – constrói asfalto, por exemplo –, não há nada para amortecer o impacto e nem solo para absorver a água. O que acontece, nessa situação, é que toda a água que cai sobre aquela superfície escoa com mais força e velocidade para os lugares mais baixos, nesse caso, o centro da cidade”, destaca.

Daniel ainda ressalta que o crescimento desordenado atingiu até áreas que poderiam amenizar o impacto causado pela intensa urbanização no município. “Se fossem preservada da impermeabilização algumas áreas na cidade, com certeza as consequências seriam menores. Mas, infelizmente, não é isso que se observa. Podemos observar diversas construções em áreas que poderiam reduzir o impacto ambiental desse crescimento desordenado. É uma cidade muito pequena para essa dimensão de problemas. Observamos esse tipo de problema em cidades grandes, que possuem uma grande área impermeabilizada. Não sou conta o desenvolvimento e o crescimento do município, mas é preciso um planejamento, senão a situação irá se agravar e, em breve, novos lugares podem começar a sofrer com os alagamentos e inundações”, completa. O secretário de Arquitetura, Engenharia e Urbanismo de Irati, Sandro Luiz Podgurski, destaca que o crescimento desordenado, em Irati, gerou situações como construções irregulares e um amplo crescimento em empreendimentos de grande impacto ambiental. “Como eu vou dizer para uma pessoa, que construiu sua casa há 70 anos, que ela está em local irregular? É complicado. As edificações antigas não se aplicam à Lei Municipal de Arquitetura, Urbanismo e Edificações. Apesar disso, podemos observar muitas construções irregulares em toda a cidade. E como se não bastasse, ainda temos os diversos projetos de condomínios residenciais aprovados, que causam grande impacto ambiental”.

Ainda segundo ele, os órgãos responsáveis pela fiscalização deveriam adotar uma análise mais criteriosa para a liberação desse tipo de empreendimento. “Tem projetos que eu pego e penso: como conseguiu ser liberado? Nós estamos pagando o preço pela falta de planejamento. Ou os arquitetos e engenheiros repensam suas obras ou a situação irá piorar e muito”, afirma.

O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) informou, através de sua assessoria de imprensa, que alguns empreendimentos não precisam do licenciamento do órgão para o início das obras, porém, precisam requerer a Dispensa de Licença Ambiental Estadual junto ao IAP. Já para os empreendimentos que necessitam de licença ambiental, o interessado precisa de três licenças – a prévia, a de instalação e a de operação – para poder construir e atuar sem irregularidades.

A assessoria de imprensa do IAP ressaltou que para a obtenção do primeiro requerimento, a Licença Prévia, o órgão ambiental exige alguns documentos. Entre eles, está a Anuência Prévia do Município, onde a prefeitura informa se o local, o tipo de empreendimento e a atividade estão de acordo com a legislação vigente no município. Esse documento serve para impedir que indústrias sejam construídas em zonas residenciais, por exemplo.

Para conseguir o alvará para funcionamento, o interessado precisa da aprovação das três licenças do IAP. Com isso, ele pode solicitar junto à Prefeitura o documento para iniciar as atividades. Segundo o secretário Sandro Podgurski, “o município pode não conceder o alvará, caso identifique algum tipo de irregularidade no empreendimento”.

Soluções apontadas para o probema

Algumas atitudes podem ser tomadas para amenizar e até extinguir o processo de alagamentos. Segundo o professor da área de recursos hídricos e saneamento do Departamento de Engenharia Ambiental da Unicentro, Daniel Bartiko, a principal ferramenta para a solução do problema é a elaboração de um plano de drenagem urbana. “Precisa-se pensar na drenagem urbana a longo prazo. Podemos definir o plano de drenagem urbana como um conjunto de diretrizes que determinam a gestão do sistema de drenagem, minimizando o impacto ambiental, devido ao escoamento de águas pluviais. Esse plano deve estar de acordo com o Plano Diretor do Município”, afirma.

O município de Irati ainda não tem um Plano Diretor aprovado. Segundo o secretário de Arquitetura, Engenharia e Urbanismo de Irati, Sandro Luiz Podgurski, o documento está aguardando na Câmara desde 2006. “Nós já elaboramos o documento e ele já foi enviado à Câmara de Vereadores. Ele está lá desde 2006 e ainda não obtivemos respostas”. Apesar disso, o secretário conta que um plano de macro drenagem foi elaborado e deverá ser encaminhado à Câmara. “Fizemos um plano de macro drenagem, onde damos algumas orientações para as próximas construções, falando sobre impermeabilidade e algumas obrigações que os empreendimentos terão que cumprir. Entre eles, está a construção de reservatório de retenção em imóveis como mais de mil metros quadrados”.

Ele ainda ressalta que, caso o plano tivesse sido criado antes, a enchente de 2014 poderia ter tido um impacto menor e os alagamentos não existiriam. “Infelizmente, esse plano está com 30 anos de atraso. Talvez, se tivesse sido elaborado antes, não estaríamos passando por essas situações. É uma pena que os interesses financeiros ficaram à frente do interesse da população, pois a aprovação desse plano irá gerar muitas mudanças e maior investimento por parte dos empresários”, destaca.

O secretário Sandro Podgurski também afirma que a Secretaria de Arquitetura, Engenharia e Urbanismo de Irati recebe muitas propostas apontando as falhas e sugerindo soluções para as enchentes e alagamentos no município. Porém, ele alega que os projetos esbarram na condição financeira municipal. “Temos ótimas ideias aqui, sempre recebemos, mas o que eles não colocam no projeto é como iremos fazer tudo isso. Toda essa situação demanda muito dinheiro, então, como vamos fazer do dia para a noite? Não tem como. Trabalhamos como podemos”, diz.
Já para o professor Daniel Bartiko, os problemas têm solução e podem ser resolvidos com planejamento. “Nós não podemos ficar restritos a apenas um método para a solução dos empecilhos, por exemplo, só dragar o rio não trará, a longo prazo, os resultados esperados. Outras alternativas são definir um limite para impermeabilização de lotes urbanos do município, a construção de valas de infiltração ou bacias de detenção em novos empreendimentos, entre outros. Acredito que, com planejamento, as ideias podem ganhar forma”, finaliza.

Opinião das pessoas prejudicadas pelos alagamentos



“Em dezembro, fizemos uma reunião com o prefeito para resolvermos a situação, mas até agora, não vimos nenhuma atitude. Eles falam que precisam chamar um monte de engenheiros, mas eles nunca vieram fazer uma avaliação de fato, eles nem sabem de onde está vindo a água. Eles não sabem nem por onde começar. Não queremos achar culpados, só queremos que o problema seja resolvido. Antes era só água que descia, mas depois que foram feitas alterações em um terreno na BR-153, começou a descer muita terra também. Além disso, ainda tem muitas construções irregulares e que estão colaborando para esses alagamentos. Somos nós que vivemos a hora da chuva, vivemos com medo. A rua enche de água e, às vezes, chega a entrar dentro das lojas. Já colocamos até uma tábua na entrada, pra evitar que entre. Não dormimos mais em paz”. Altevir de Lara Soares, dono de uma loja no centro de Irati





“A situação começou a piorar de um ano para cá. Além de água, vem muito barro também e, antes, não era assim. Quando vamos procurar os responsáveis, eles começam a apontar os culpados, dizendo que a situação é de antes. Não queremos saber quem são os culpados, queremos uma solução para o problema. Em dezembro, quando aconteceu um dos alagamentos, eu tive um prejuízo de R$12 mil reais aqui na loja, porque a água entrou e estragou todo o piso. Quando começa a chover forte, temos que ficar de plantão com os funcionários aqui. Não temos nada contra o progresso da cidade, mas ele tem que ser planejado, porque estamos sendo afetados. A minha loja, por exemplo, já está sendo desvalorizada. Ninguém quer comprar aqui, sabendo que pode alagar. As pessoas só lembram da situação quando volta a alagar. Passou o alagamento, todo mundo esquece. O problema está sendo esquecido muito facilmente”. Maurício Chami, dono de uma loja no centro de Irati


“Meus vizinhos já perderam tudo na enchente e, agora, os alagamentos estão assustando todo mundo. O pessoal da prefeitura veio ver os bueiros, mas não deram a mínima, então, resolvi começar a limpar um deles hoje (03/02) com a ajuda dos meus vizinhos. Já tirei bastante coisa, mas vai mais uns dois dias de trabalho. Para se ter ideia, tirei uns cinco pneus daqui de dentro. É uma galeria, precisa de manutenção. Eles queriam tirar água, mas não tem água, o problema é o entulho. Tem muita coisa errada, a galeria estava coberta de terra, é claro que vai alagar”. José Carlos Trindade Ferreira, morador da região da Avenida Perimetral João Stoklos


Kyene Becker/Hoje Centro Sul

Fotos: Arquivos Hoje Centro Sul