Profissões que trabalham com a morte despertam curiosidades no dia de Finados

Comemorado no dia 2 de novembro, o Dia de Finados ou Dia dos Mortos é uma data celebrada mundialmente por todos os cristãos. O hábito de rezar pelos falecidos e visitar os túmulos dos entes que já se foram existe desde o século II. Porém, apenas no século XIII a Igreja Católica instituiu uma data anual para a celebração dos mortos.

Estevan trabalha no Cemitério Municipal há 20 anos
 A data é comemorada de diferentes formas pelo mundo. No México, o Dia dos Mortos é celebrado com uma festa em homenagem as almas dos familiares e amigos que já faleceram. No Brasil, a data é marcada pela visita aos túmulos nos cemitérios. O responsável pelo Cemitério Municipal de Irati, Estevan Martins dos Santos, explica que as famílias costumam limpar os túmulos dos familiares nas duas semanas que antecedem a data. “É uma tradição. Eles vêm limpar os túmulos e deixar tudo arrumado para a visitação do dia 2. No Dia de Finados, pessoas do país inteiro vêm visitar os entes queridos que estão enterrados aqui na cidade”, conta. Atualmente, o Cemitério Municipal de Irati abriga cerca de 13.400 mortos.

Estevan trabalha no cemitério desde 1994, onde iniciou como zelador. Ele afirma que nunca viu nada de diferente durante os 20 anos de trabalho no local. “Já cheguei a trabalhar aqui até as 22h e nunca vi ou ouvi nada de sobrenatural. Pra mim, essas coisas não existem”, ressalta. Estevan, que já presenciou cerca de 3.400 sepultamentos, também destaca a paixão pelo trabalho. “Eu acho legal cuidar do cemitério. No começo é estranho, você fica pensativo e acha que é tudo esquisito, mas com o tempo você acostuma e pega gosto pela profissão. Já faz parte da minha vida estar aqui todo dia. Eu gosto bastante”, completa.

Estevan contam que muitas pessoas costumam visitar frequentemente o cemitério. “Tem muitas pessoas que vêm toda semana, têm outros que vêm todo dia aqui no cemitério. Essas pessoas vêm rezar, acender vela e passar um tempo com os entes queridos que se foram. Para eles, isso é uma rotina”.

A aposentada Maria Acira da Cruz conta que procura visitar os familiares e amigos semanalmente no cemitério. Durante o passeio, ela também ora por pessoas desconhecidas que não recebem visitas. “Eu costumo vir toda semana, mas nem sempre dá. Eu venho, porque tenho todos os meus parentes aqui e gosto de ajudar aqueles que não recebem visitas. Eu coloco vela e rezo o terço para algumas pessoas que eu não conheço, eu acho que isso é uma forma de ajudar quem já se foi e não recebe visitas da família”, afirma.
Maria explica que gosta de conversar com os familiares que já se foram e relembrar os bons momentos ainda em vida. “Eu sento ao lado do túmulo e fico conversando com os meus entes queridos. Fico lembrando das coisas boas que passamos e isso é uma forma de matar as saudades. Eu venho feliz e volto feliz daqui, não tem como ficar triste”, completa.
A aposentada afirma que gosta de frequentar o local. “Eu tenho prazer em vir aqui, é muito melhor do que ficar em casa sem fazer nada. Eu sempre encontro amigos e conhecidos aqui no cemitério. Então, paramos pra conversar e vamos rezar juntos. Acaba se tornando uma distração”.
Albertina, a Alma

Milagrosa

O Cemitério Municipal de Irati também guarda histórias curiosas sobre os falecidos do local. Albertina Nascimento dos Santos, que faleceu em 1918, está sepultada em um dos túmulos mais antigos do cemitério. Os devotos costumam chamá-la de Alma Milagrosa.
Segundo relatos dos devotos, Albertina era professora e foi vítima de um incêndio em sua residência. As causas do incêndio são desconhecidas e acredita-se que seu marido, com ciúmes dos alunos de Albertina, teria colocado fogo na própria casa.
Os devotos contam que A Alma Milagrosa tem a capacidade de ouvir e atender pedidos, principalmente de estudantes. A aposentada Maria Acira da Cruz afirma que já teve uma de suas preces atendidas e, por conta disso, costuma orar pela alma da professora. “Eu não sei ao certo quando a história da Alma Milagrosa começou, mas eu já fiz um pedido para ela e ela atendeu. Foi muito gratificante, por isso eu gosto de vir aqui orar por ela”, destaca.

Trabalho

Ainda nos dias de hoje, muitas pessoas encaram a morte como um tabu. Por conta disso, trabalhar e lucrar com um dos maiores tabus da sociedade nem sempre é tarefa fácil. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário (Abredif), o Brasil possui cerca de 5.500 empresas funerárias. O setor emprega mais de 50 mil pessoas no país e movimenta o equivalente a R$7 bilhões ao ano.

Samara Pedroso Coelho e Edemilson José Ferreira, o Bujão, são sócios de uma funerária em Irati. Samara explica que o empreendimento existe há 22 anos na família e conta que está envolvida no ramo desde criança. “Estou envolvida desde criança, desde meus 4 anos.  A primeira vez que vi um morto, eu tinha uns 5 anos. Eu nunca questionei o meu pai do porquê dele ter comprado a funerária, porque era o nosso ganha pão. Então, foi algo com o qual eu fui crescendo e acostumei. Hoje em dia é algo normal para a minha família”.

A sócia da funerária ressalta que o trabalho nem sempre é fácil. “Lidar com pessoas é sempre complicado, você tem que ter muita paciência, porque é um momento muito difícil para eles. A maioria das famílias chega perdida aqui. Elas nos olham e perguntam: o que eu faço? Por onde eu começo? Você tem que ser um pouco psicólogo e ombro amigo. E o mais importante de tudo é passar segurança para a família”, explica.

Samara conta como funciona o trabalho da funerária passo a passo. “Primeiro nós conversamos com a família e verificamos quem é a pessoa e como foi a morte. Depois, levamos a família para escolher a urna e a ornamentação. O corpo é levado para outro lugar, para realizarem a higienização e fazerem a maquiagem. Quando a urna é escolhida, ela é levada até o laboratório para o corpo ser arrumado e levado para o sepultamento”. Ela explica que já perdeu as contas do número de sepultamentos realizados pela funerária.

“Eu não tenho ideia de quantos sepultamentos já realizamos. Há semanas que tem um falecimento por dia, em outras não tem nenhum. Já chegamos a ficar 1 mês sem realizar nenhum sepultamento”, completa.

A funerária também dispõe de planos de falecimento, que são pagos ainda em vida e podem ser usados posteriormente. “O contrato é de quatro anos. Ele funciona para o titular do plano e para os familiares próximos: pai, mãe e filhos solteiros. Se ninguém falecer dentro dos quatro anos, a pessoa pode optar por continuar pagando ou não. Se ela cancelar e, futuramente, alguém venha a falecer, nós damos um desconto de 30% no funeral particular”, conta Samara.

Histórias

Edemilson José Ferreira, o Bujão, está no ramo funerário há quase 30 anos. Ele conta que iniciou na profissão após um acidente que vitimou seis pessoas do município. “Eu trabalhava como taxista antes e, às vezes, o dono de outra funerária me pedia ajuda para transportar o corpo. Depois disso, fiquei desempregado. Um dia, um acidente matou seis pessoas da cidade e chamou a atenção de todos. Por curiosidade, fui olhar os corpos na funerária. O antigo dono não tinha muitos funcionários para arrumar os funerais e quando me viu, me convidou para ajudar. Na semana seguinte, fui contratado”, relembra. Bujão deixou o trabalho após alguns anos, mas retornou ao ramo por convite do antigo dono da funerária da qual é sócio.

Ele explica que, no início, tinha receio em trabalhar com cadáveres, mas depois de algum tempo, o trabalho virou rotina. “A primeira vez que eu tive que mexer com um corpo foi estranho. Você fica todo ressabiado. Quando eu era mais novo e via o carro da funerária, eu me escondia. Eu não ia nos velórios. Mas depois de um tempo no ramo, você acostuma”, afirma. Porém, o sócio da funerária ressalta que até hoje se assusta com alguns barulhos.

Em quase 30 anos de profissão, Bujão coleciona histórias. Ele conta que, em algumas ocasiões, já teve que dormir com os corpos dos falecidos. “Já cansei de virar a noite com cadáver. Uma vez, uma família me deixou dormindo com o falecido no necrotério. Em outra vez, no interior, o carro encalhou com o caixão. Dias antes havia chovido e a rua estava intransitável. O carro atolou no barro e era de madrugada. Eu sai pela porta e gritei por alguém, mas estava no meio do nada. Tive que dormir no carro com o caixão, esperando que alguém chegasse. No dia seguinte, de manhã, a família do falecido me encontrou e conseguimos tirar o carro com um trator”, destaca.

Bujão conta que alguns funerais tiveram grande impacto em sua vida, como por exemplo, a morte de seu pai e do antigo dono da funerária, pai de Samara.

“Alguns funerais nos marcam. No sepultamento do meu pai, eu ia arrumar tudo, mas não consegui. Quando é a nossa família, as coisas são diferentes. O falecimento do meu antigo sócio também foi marcante, eu não acreditei, mas ajudei a providenciar tudo. Os sepultamentos de crianças ou pessoas muito jovens também mexem bastante com a gente. Quando eu era mais novo, tinha sangue frio. Hoje em dia, eu não consigo mais lidar com esse tipo de cadáveres”, completa.

Em sua maioria, as empresas funerárias são empreendimentos familiares. Bujão explica que tem expectativas de que os filhos sigam no ramo. “Esses dias eu levei o meu filho no laboratório e disse para ele entrar e ver o corpo. Ele disse que iria só ver, mas que não queria trabalhar na funerária”, finaliza.

Kyene Becker