Agroecologia: a agricultura sustentável do século XXI

A constante preocupação com saúde e busca pelo equilíbrio do ambiente fez com que a população promovesse mudanças na forma de viver e agir. O aumento do número de doenças relacionadas ao uso desenfreado de agrotóxicos, a exploração do trabalho no campo, o controle dos grandes produtores e o aumento do número de casos de contaminação de solo e água despertaram o alerta mundial.

Núcleo de Estudos em Agroecologia/IFPR
Em busca de alimentos livres de produtos químicos, equilíbrio do produtor com o ambiente e diminuição da desigualdade social, o sistema da agroecologia foi desenvolvido. A professora de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) e membro do projeto de extensão ‘Feira Agroecológica’, Fernanda Keiko Ikuta, explica que uma das principais diferenças entre o sistema de produção convencional e o sistema agroecológico é o uso de produtos químicos. “A agricultura convencional trabalha em um sistema que simplifica o meio ambiente, que polui, que contamina, porque ela utiliza produtos sintéticos para aumentar a produtividade. Esses produtos são danosos para o meio ambiente, porque contaminam solo, água, muitas vezes o próprio ar, contaminam o produtor e, consequentemente, o consumidor, através dos alimentos”, afirma. Segundo pesquisas e levantamentos, o Brasil é recordista mundial em uso de agrotóxicos e se estima que cada brasileiro ingere cerca de 5,2 litros de agrotóxico por ano.

A preocupação com a saúde foi o fator decisivo na transição de Maria Aparecida dos Santos da agricultura convencional para a agroecológica. Moradora da localidade de Arroio Grande, Maria conta que utiliza os princípios da agroecologia há 12 anos e não se arrepende da substituição. “A mudança ocorre desde os hábitos da gente, da maneira de ver a vida. Depois, você muda a forma de pensar sobre o dinheiro também. Não é algo que gere bastante renda, é algo que você ganha e dá pra viver, é o suficiente. E não tem maior prazer na vida do que você saber o que você está colocando na boca. O que enriquece a gente e nos mantêm com esperança de vencer, é isso, de você estar levando vida para as pessoas”, ressalta.

Maria Aparecida também alerta para os problemas ocasionados pelo uso de produtos químicos na produção de alimentos. “No convencional, do jeito que está, o povo está ficando muito doente, desenvolvendo alergias, e é por causa dos agrotóxicos. Nós temos que pensar nos nossos filhos e netos e colocar na cabeça de cada um que as coisas têm que mudar”.
A agricultora destaca que é de extrema importância saber a procedência dos alimentos que se ingere e, por conta disso, incentiva a disseminação do sistema agroecológico. “A melhor maneira da gente viver é essa. E com o pouco que você faz, você vive tranquilo e sabe o que está comendo. O alimento é vida, é saúde, é tudo. Eu incentivo muito os produtores a plantarem dessa forma e, enquanto eu estiver viva, vou continuar lutando pra conseguir mais apoio. Se não fizermos assim, as doenças cada vez serão piores”.

Princípios da agroecologia

A preocupação com saúde não é o único princípio da agroecologia. Fernanda Keiko Ikuta explica que o produto agroecológico é diferente do orgânico, pois envolve outras concepções. “Há uma série de práticas que vão estar em consonância e harmonia com o meio ambiente, produzindo de uma forma que, ao invés de simplificar o ecossistema, vai valorizar e aumentar a biomassa. É uma produção harmônica e que vai respeitar o consumidor também, a base é o respeito ao consumidor, então é diferente dos produtos orgânicos ou da produção orgânica”, completa.

Ainda segundo ela, o preço dos produtos agroecológicos é mais acessível do que dos orgânicos, pois o objetivo é atingir o maior número de consumidores. “Busca-se produzir com o ideal de que os alimentos saudáveis devem ser de acesso a toda a população e não só um nicho de mercado, como os orgânicos, que são produzidos apenas para uma parcela que pode pagar. Normalmente, se você vai a um supermercado, os produtos orgânicos são de fato também sem agrotóxico, mas eles são mais caros, porque o objetivo do produtor de orgânicos é simplesmente aumentar a sua renda”, afirma.
O professor do curso técnico em Agroecologia do Instituto Federal do Paraná (IFPR), João Luis Dremiski, ressalta que apesar de bastante discutido atualmente, o sistema agroecológico não é novidade e destaca a diversidade de culturas e a troca de sementes como princípios da produção. “A agroecologia não é uma coisa nova. Tem muito agricultor que já faz agroecologia sem usar o termo. Por exemplo, um dos princípios desse sistema é a valorização da agrobiodiversidade. Muitos produtores acham que não estão fazendo agroecologia, mas fogem da monocultura e fazem a troca de sementes crioulas, que é outro princípio”.

O respeito ao meio ambiente é uma das principais ideias defendidas pela agroecologia. Para o engenheiro agrônomo e coordenador do curso técnico em Agroecologia do IFPR, Rodrigo Predebon, o objetivo é aproveitar os recursos que estão à disposição dos agricultores. “No geral, a agroecologia trabalha com o que o produtor tem dentro da propriedade. Por exemplo, ele tem uma vaca e ela vai produzir o esterco, que será usado como adubo na produção”, relata.
Além disso, a professora Fernanda Keiko Ikuta destaca a luta contra a desigualdade social e pelo respeito ao produtor como diferenciais desse sistema. “Na agricultura convencional, muitas vezes não há o respeito ao trabalhador e ao produtor e as condições de trabalho são precárias, o que não acontece na produção agroecológica. Os agricultores trazem um projeto de sociedade. Por isso, o sistema agroecológico busca atender o máximo de pessoas possíveis e trazer para reflexão da sociedade a tentativa de construir não só novos métodos de agroecologia, mas também repensar a soberania alimentar, repensar a questão fundiária, que é um problema e que impede que muitos camponeses e agricultores permaneçam no campo e possam produzir através desse método”, completa.

Agroecologia na região Centro Sul

O sistema agroecológico começou a ser implantado na região Centro Sul há 12 anos. A agricultora Maria Aparecida dos Santos explica que um grupo de interessados foi criado na época e a Associação dos Grupos de Agricultura Ecológica São Francisco de Assis auxiliou nessa transição. “Foi um ano e meio de reuniões, apenas conversas para o pessoal entender bem como funcionava. A partir daí, nós começamos a plantar através dos princípios da agroecologia. Desde então, não parei de plantar através desse sistema”, afirma.

Maria Aparecida conta que, no início, muitas famílias faziam parte do grupo, porém, nos últimos anos, esse número foi diminuindo. “Nós éramos em 120 famílias em Irati. De uns quatro anos para cá que eles foram desistindo. Na minha comunidade, hoje em dia, somos seis famílias que plantamos através da agroecologia. Antes era mais, mas alguns foram desistindo, porque pensavam em dinheiro fácil e em grande quantia, mas não é assim. Nós temos que fazer com amor as coisas. Além disso, houve o enfraquecimento dos programas que participávamos. Muitas pessoas ficaram com medo e voltaram para a agricultura convencional”, explica.

A professora Fernanda Keiko Ikuta destaca que, dentre os programas que sofreram problemas, está o da Merenda Escolar. Segundo ela, o enfraquecimento do projeto no final de 2013 causou dúvidas em muitos produtores agroecológicos. “Nós temos mais agroecologistas do que imaginamos. Apesar disso, infelizmente, esses agricultores ainda estão na invisibilidade. Sem contar no processo de criminalização que alguns produtores estão passando. Eles estavam engajados em projetos, como a Merenda Escolar, que caminhava com dificuldade, mas estava andando. Ocorreu que esse programa foi enfraquecido, devido a disputas políticas, e, agora, os produtores estão fragilizados”.

Constituída em sua maioria por pequenos agricultores e camponeses, os agroecologistas da região Centro Sul, segundo a professora do curso técnico de Agroecologia do IFPR, Silvana Moreira, ainda encontram obstáculos. “Existem muitos agricultores que desejam aplicar os princípios da agroecologia. Se consultarmos todos os agricultores em Irati, a maioria quer mudar a forma de produção. Porém, eles esbarram no problema de que faltam profissionais para atenderem e esclarecerem as dúvidas desses agricultores. Além disso, faltam oportunidades. Por exemplo, o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) tem três técnicos na região para atender 3.500 famílias. Eles não têm condições para assistir todo esse público.”, ressalta.
Além disso, o professor João Luis Dremiski destaca a falta de incentivo das escolas rurais da região a respeito do tema. Segundo ele, o Centro Sul do Paraná possui um dos maiores territórios de agricultura familiar do Estado e, por isso, o aprendizado desde a escola é essencial. “Nós ainda precisamos avançar em muitas questões. Uma delas é a educação no campo. As escolas que estão localizadas no campo ainda não trabalham a questão da agroecologia no seu currículo. E essa é uma das causas pelas quais estamos trabalhando, para que os filhos dos agricultores tenham acesso a essas informações já na escola”, afirma.

Entretanto, João Luis explica que a situação, aos poucos, está se modificando e, nos últimos anos, muitos programas de fomento foram criados ou estão sendo desenvolvidos. “Em nível  federal, um Plano Nacional de Agroecologia foi aprovado no ano passado. Esse projeto direciona as políticas e o dinheiro a ser investido nos programas e pesquisas referentes ao tema. No estadual também existe um programa, porém, não há muita articulação. E aqui no município, temos conhecimento de que um Plano Municipal de Agroecologia está sendo construído”, completa.

Dentre as iniciativas de apoio ao agricultor agroecológico no município de Irati está o projeto de extensão da Unicentro ‘Feira Agroecológica’. Fernanda Keiko Ikuta é uma das responsáveis pela coordenação da Feira na Universidade e conta como a iniciativa pretende auxiliar na divulgação da agroecologia. “Esse programa existe há cinco anos em Guarapuava. Lá, a Feira acontece nos dois campus da Unicentro. Esse ano, estamos trazendo a Feira para Irati. A ideia é fortalecer os pequenos agricultores agroecológicos, fornecer aos consumidores alimentos saudáveis e também, para além da comercialização, promover espaços de debate. Por exemplo, nós temos na Unicentro de Irati, mensalmente, um espaço de discussão de temas envolvendo a agroecologia, a Roda de Mate e Debate”, ressalta.

A agricultora Maria Aparecida dos Santos participa da Feira e explica que o projeto é uma ótima oportunidade para os pequenos agricultores. “Antes das feiras, nós entregávamos os produtos nos projetos do governo. Esses programas ainda estão abertos para nós, mas eu acho que com as feiras, nós estamos divulgando mais o nosso trabalho e levando os alimentos para mais pessoas. A melhor oportunidade que nós tivemos foi a Feira Agroecológica”.

Mercado de trabalho

Além de proporcionar melhorias e novas oportunidades para os pequenos agricultores, a agroecologia também repercutiu na necessidade de se ter profissionais capacitados atuando na área. Neste contexto, o Instituto Federal do Paraná (IFPR) oferta no Campus de Irati, o curso Técnico em Agroecologia integrado ao Ensino Médio. O coordenador do curso, Rodrigo Predebon, explica quais são os assuntos abordados em sala de aula. “No curso técnico, as disciplinas envolvem as principais áreas de estudo da agroecologia, onde podemos citar a engenharia – onde se estuda a topografia, desenho técnico, irrigação e drenagem, proteção de plantas e criação animal – e a parte de solos – onde eles estudam a formação dos solos, constituição dos solos, como deve ser o manejo dentro do sistema agroecológico, que o principal foco é a não-utilização de nenhum tipo de agrotóxico ou molécula química industrializada ou sintetizada para adubação”, completa.

Ana Cláudia Radis, professora do curso técnico de Agroecologia do IFPR, explica que a procura pelo curso é grande e o perfil dos alunos é diversificado. “Geralmente, os alunos do curso têm um perfil que é o de filho de agricultor e juventude rural. Eles já vêm com um conhecimento prévio, mas também existem aqueles que querem conhecer, se identificam com a temática e pensam em um futuro universitário voltado para a área”, afirma.

Ela conta que ao longo do curso, os alunos têm a possibilidade de participarem de projetos de pesquisa e extensão e concorrerem a bolsas de estudo. “Na questão de bolsas, temos em várias áreas, como a Educação no Campo. Além disso, temos o Núcleo de Pesquisa em Agroecologia. Todos os projetos são voltados ao bem-estar e cuidado com o meio ambiente. Os alunos podem concorrer a bolsas em projetos de pesquisa ou extensão que variam de R$150 a R$400 por mês”.

A professora Ana Cláudia Radis destaca a importância da participação nos projetos e ressalta que o mercado de trabalho é favorável para os profissionais. “Esse convívio com os agricultores, de estarem inseridos na pesquisa, faz com que os alunos estejam preparados para melhor atender os produtores. Além disso, eles também conseguem participar de eventos  nacionais, percebendo que a agroecologia vai muito além da nossa região. O mercado de trabalho é favorável para eles e está absorvendo de forma positiva os formados. O salário do técnico varia entre R$1.600,00 e R$2.200,00”, finaliza.



Por Kyene Becker / Hoje Centro Sul