Voto não tem preço, tem consequência

Você trocaria seu voto por dinheiro, combustível, materiais de construção, tratamentos médicos, cestas básicas ou promessas de emprego? 



Se sim, saiba que a compra e a venda de votos são crimes eleitorais, previstos no art. 299 do Código Eleitoral, art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 e art. 67 da Resolução 23.404/2014, e que podem gerar multas, cassação do registro do candidato, elegibilidade por até oito anos e prisão por até quatro anos, para quem oferece e recebe.

Apesar do rigor da lei, muitos candidatos e cabos eleitorais ainda se arriscam com a prática. 
O Jornal Hoje Centro Sul teve acesso exclusivo a pessoas que já trocaram seu voto por algum tipo de vantagem em anos anteriores e também conversou com cidadãos que afirmam que a prática é comum na região.

Venda de votos

Maria* conta que nenhuma pessoa ofereceu algum benefício em troca de seu voto, porém, já presenciou vários comentários a respeito da questão. “Eu não acho certo vender o voto e para mim, ninguém nunca ofereceu. O que nós ouvimos são comentários, mas ninguém chegou a me oferecer nada. Tem pessoas que falam que eles trocam por gasolina e dinheiro. Nem veio candidato direito por aqui. Mas se eles comprassem votos, deviam dar bastante dinheiro para as pessoas, porque são ricos. Eu nunca peguei nenhum centavo de candidato e eles nunca ofereceram pra mim, porque sabem que não vão conseguir o voto”, diz.

Já Paula* afirma conhecer pessoas próximas a ela que trocaram o voto por dinheiro. “Nessas eleições, as pessoas que vieram aqui não tentaram trocar voto por nada. Já ouvi muitos comentários, nas outras eleições, de pessoas que vieram comprar voto. Tenho conhecidos que me falaram isso. Eles contaram que ofereceram dinheiro, cada voto era R$50,00”. Rosana* também fala que comentários sobre troca de votos por dinheiro são comuns.

“Nas outras eleições, eu já ouvi comentários, o pessoal falou que existiu a venda e compra de votos sim. O povo falou que trocou [o voto] por dinheiro”.
Ana* relata que já presenciou a troca de voto em outro Estado e conta que todo tipo de vantagem é oferecida. “Tinha um pessoal que ficava dando cesta básica, dinheiro, cimento, areia, cascalho, até tratamento dentário. Pra mim, já chegaram a oferecer dinheiro e compras no supermercado”, afirma. Ela ainda explica como a abordagem funciona. “Eles chegam, começam a conversar e perguntam se está faltando alguma coisa em casa. Eles oferecem bastantes coisas e vão às casas para oferecer. Os políticos não aparecem, quem vai são as pessoas envolvidas na campanha”, completa.
João* conta que em eleições passadas já trocou o voto por dinheiro e destaca que a prática ocorre próximo do dia da votação.

“O pessoal vem e traz propaganda, mas por enquanto não ofereceram nada, é mais perto das eleições. Se você falar, eles oferecem. Eles dão um pouquinho de dinheiro e nos ajudam. Não são os políticos que vêm, são as pessoas que trabalham pra eles. Nas eleições passadas, nós pegamos R$20 para cada pessoa da casa”, lembra.

Crime eleitoral

A Juíza de Direito do Fórum da Comarca de Irati, Mitzy de Lima Santos, explica o que pode ser considerado compra e venda de votos. “Caracteriza-se a compra de votos, o ato do candidato em oferecer ao eleitor qualquer vantagem em troca do voto, seja em dinheiro ou vantagem de qualquer natureza. Exemplos: promessa de emprego, cestas básicas, vale combustível, dentadura, cadeira de rodas, remédios, etc”. Segundo ela, a Justiça deve realizar uma investigação para comprovar a prática, pois só assim a pena pode ser aplicada, e alerta as pessoas que pensam em vender o voto. “É necessário que exista uma investigação para que a denúncia da compra de voto seja provada e, então, aplicada a pena correspondente. Da mesma forma a venda de voto. O eleitor que oferece seu voto em troca de vantagens, seja ela de qualquer natureza, também estará cometendo um ato ilícito”, afirma.
A Juíza destaca que a pessoa que for flagrada comprando ou vendendo voto sofrerá as punições previstas em lei.

“De acordo com a Lei, a pena para a captação e venda de sufrágio é de reclusão de até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, o que equivale de 1 mil a 50 mil UFIR, além da cassação do registro ou diploma do candidato”. Mitzy ressalta que qualquer cidadão pode denunciar a prática. “De conformidade com o art. 71 da Resolução 23.404/2014, todo cidadão que tiver conhecimento de infração penal prevista na legislação eleitoral, poderá denunciá-la. A denúncia de compra e venda de votos deve ser feita através de representação junto ao TRE”, completa.

Cidadania

O professor do Mestrado em Jornalismo, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Jornalismo e Política: representações e atores sociais (CNPq), Carlos Willians Jaques Morais, diz que a venda do voto é a anulação da própria capacidade de pensar e querer um lugar melhor para viver.

“Não há como anular aquilo que não se reconhece como existente. Dá ótica daquele que vende o voto, não se tem conhecimento sobre o valor do que está sendo anulado, porque esse valor não existe. Ocorre a falta de reconhecimento sobre a cidadania, porque o indivíduo não se reconhece como sujeito de direitos, mas apenas como sujeito de consumo. Assim são as relações mercadológicas. De outro modo, para quem observa esse fenômeno social ilícito, mas é capaz de se afirmar como sujeito político e de direito, conclui que se trata de um processo de autoanulação. Quem é capaz de perceber o valor do voto e do exercício da democracia na construção de uma sociedade justa e solidária, sabe que vender o voto é também anular não somente direitos políticos, mas é anular a existência, o sentido da vida, é anular aquilo que nos faz humanos, que é a nossa própria capacidade de pensar e querer um lugar melhor para viver”, explica.

Segundo o professor, para algumas pessoas a prática é considerada uma ajuda e, por isso, elas não conseguem caracterizar a compra e venda de votos como um ato ilícito. “Quem pensa dessa forma, procura justificativas para sua consciência, a fim de não dizer para si mesmo ‘Eu sou um nada’. É uma maneira de não reconhecer sua própria corrupção e alienação, visto que seus direitos civis e políticos estão de posse daquele candidato que comprou sua própria consciência”, completa Carlos.
Conscientização

Para Carlos, é necessário que as pessoas procurem informação, tomem conhecimento e lutem pelos seus direitos. Segundo ele, os eleitores precisam ter consciência de que a venda do voto não trará benefícios a médio e longo prazo e ressalta ainda que qualquer eleição deve ser realizada com ética e respeito.

“Por falta de informação e educação, nem todo ser humano se reconhece nessa dimensão política de sua natureza social. O ser humano não deseja apenas viver, mas quer viver bem. Trata-se de um valor. Por isso, conhecer a política é conhecer cada vez mais a si mesmo e a sociedade em que vivemos, para vivermos melhor”, finaliza.


*Os nomes foram modificados para preservar a identidade das pessoas.

Thaís Siqueira e Kyene becker/Hoje Centro Sul

Foto: Leticia Torres/Hoje Centro Sul